sábado, 26 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – proselitismo, intolerância e ódio nas páginas de “Nigerian Tribune”; de volta para Lagos; o verão de 1966 e a influência religiosa na política nigeriana

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_8.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski permaneceu no posto policial da pequena Idoroko enquanto aguardava que providenciassem um veículo para a sua escolta até Lagos...
Passou o tempo lendo matérias do “Nigerian Tribune” que pertencia à UPGA... Destacamos os recortes que o próprio autor selecionou para “A Guerra do Futebol”:

            “A nossa luta continua... Entre outros, os nossos ativistas queimaram viva a estudante de oito anos, Janet Bosede, de Ikere. O pai da menina votou no NNPD.”

            “Em Ilesha, foi queimado vivo o fazendeiro Alek Aleke. No caso, o grupo de ativistas aplicou o método spray in lit, também conhecido como ‘as velas da UPGA’. O fazendeiro estava retornando às suas terras, quando foi agarrado pelos ativistas que o obrigaram a se despir. O fazendeiro tirou a roupa, se pôs de joelhos e implorou por misericórdia. E foi nessa posição que foi banhado de benzol e queimado vivo.”

Como se pode depreender, o conteúdo do jornal era carregado de apologia das ações terroristas dos militantes rebeldes contra os inimigos políticos... Ficava evidente que, além de legitimar a violência, o periódico alimentava a intolerância e o ódio.
Ao ler a matéria, o polonês soube que ele próprio havia corrido o risco de se tornar uma das “velas da UPGA”.
(...)
Os policiais não conseguiram nenhum veículo que pudesse escoltar Kapuscinski até Lagos.
Apesar dos receios que nutriam, três policiais entraram no Peugeot... O próprio jornalista dirigiu enquanto os tiras se acomodaram mantendo os canos de suas armas apontados para fora.
Passaram pela barreira que havia sido atravessada a plena velocidade por Kapuscinski... Ali já não havia concentração de rebeldes... Nas outras duas, onde ele sofrera barbaridades e teve de desembolsar o pouco dinheiro que carregava, ainda havia movimentação, mas os agitadores deixaram-no passar por causa dos policiais que o acompanhavam...
Também os tiras não queriam confusão e foram taxativos ao dizerem que ele não devia parar o carro... Com aquelas pessoas não se podia vacilar... Eles mesmos não tinham o hábito de andar armados, e sabiam que provocações desnecessárias podiam resultar em atentados como os que vitimaram muitos de seus colegas.

(...)

Na sequência o autor apresenta considerações sobre o panorama político nigeriano durante o verão de 1966...
Nota-se que a religiosidade era algo que contava muito para aquele povo... Lideranças cristãs, muçulmanas e as dos tradicionais cultos e ritos tinham espaço nos jornais... Dava-se muito crédito às pregações de caráter profético e também àquelas que orientavam o povo às atitudes penitentes.
Acreditava-se que a oração e a contrição favoreceriam os rumos políticos da nação, reconhecidamente dividida.
Kapuscinski sentencia que a Nigéria havia rezado muito naquele verão... Diariamente os jornais estampavam “orações pela salvação da pátria”... Nota-se que, para muitos nigerianos, apenas a devoção religiosa poderia livrar o país de uma tragédia política.
Vários periódicos são citados...
O “Nigerian Daily Sketch”, por exemplo, publicara que o “profeta da Igreja Apostólica de Cristo em Akure” conclamara os fiéis a permanecerem por três dias jejuando na igreja, para que Deus “ajudasse o novo regime em todas as suas ações”...
Também no mesmo jornal pôde-se ler que Alhadji Liaidi Ibrahim, “grão-imã da mesquita central de Lagos” orientara os muçulmanos da capital a orarem a Alá para que o governo do tenente-coronel Yakubu Gowon fosse bem sucedido e que ele fosse guiado por Alá para que o país recuperasse “a paz e a unidade”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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