domingo, 6 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – Bem Bella, sua política externa de vanguarda e a realidade de estagnação em seu país; sobre as (não) possibilidades de uma “revolução internacionalista”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_16.html antes de ler esta postagem:

Poderíamos pensar que Ben Bella conseguiria se estabelecer no governo ao se livrar dos inimigos políticos, encarcerando-os... Mas não foi o que ocorreu.
Segundo Kapuscinski, ele não controlava nenhum dos “braços do poder” (partido, aparelho do Estado e exército)... Como se sabe, sua aliança com o exército havia sido composição tática... Preocupado apenas em não arcar com perdas salariais, o aparelho de Estado fazia oposição aos seus projetos... Suas iniciativas sofriam questionamentos do partido, que possuía comitês espalhados pelas províncias, onde as discussões lhe escapavam.
Na verdade Ben Bella personificou o poder e não deu grande importância ao partido, que ele entendia como um grupo que devia colaborar e se submeter às suas necessidades...
(...)
A Argélia enfrentava muitos problemas...
E a maioria entendia que Ben Bella pouco fez para resolvê-los. Como se sabe, havia diversas situações que contribuíam para o fracasso de sua administração... O setor privado estava uma desorganização só; dificilmente se resolveria o problema dos milhões de desempregados; os servidores públicos apresentavam diversas deficiências na condução de suas obrigações; o déficit público era imenso...
E para piorar, percebia-se enorme distância entre as intenções do governo e a realidade do povo argelino... Para Kapuscinski, esse quadro não era desconhecido pela maioria dos países de terceiro mundo... Normalmente a saída encontrada por suas lideranças era o da ditadura ou o das atividades “voltadas para além de suas fronteiras”.
Os vários reveses internos eram compensados por Ben Bella por sua política externa... Ele ganhou muito prestígio internacional e dedicou-se apaixonadamente a certas iniciativas que colocavam a Argélia em posição de destaque entre os países subdesenvolvidos... Muitos líderes políticos estrangeiros visitavam-no, e ele fazia questão de recebê-los por longas horas... Diz-se que ele sabia agradar e que os visitantes sentiam-se seduzidos por suas ousadas palavras...
Seus projetos incluíam ajuda militar às guerrilhas de Angola e Moçambique... Os que combatiam na África do Sul podiam receber treinamento na Argélia...
A Argélia seria algo como que uma continuação daquilo que Bandung (Indonésia) havia sido em 1955... Todavia essas importantes iniciativas eram absolutamente pessoais, não sendo compartilhadas com a gente de seu governo...
(...)
O Festival Mundial da Juventude organizado em Argel colocou o país e o seu governante em evidência internacional.
Os chefes de governos de países africanos e asiáticos recebiam correspondência de Ben Bella... Pouco antes do golpe de junho, ele havia acertado uma visita de Chou En-Lai (um dos principais líderes do Partido Comunista Chinês) e dava como certo um encontro com De Gaulle na França.
Todavia a construção desse prestígio internacional custou muito dinheiro... Milhões de dólares que podiam ser direcionados a projetos para a recuperação econômica do país.
(...)
Então a contradição havia se tornado evidente...
Ao mesmo tempo em que a Argélia era vista como país dinâmico e revolucionário em sua ousadia política (sem dúvida, um referencial para os demais países do mundo que lutavam contra a pobreza e o imperialismo), internamente a opinião dominante era a de que o governo estagnava a economia, sem apresentar soluções para o desemprego ou o analfabetismo...
Ben Bella tornava-se o alvo principal das críticas, mas era certo que os demais dirigentes preocupavam-se apenas com o burocratismo e viviam envolvidos em intrigas pessoais que colocavam acima dos interesses da nação.
Os argelinos comuns entendiam pouco, ou não se interessavam pelas iniciativas voltadas à política externa adotada por Ben Bella... A situação se tornava ainda mais complicada porque nem mesmo o governo teria recursos suficientes para tocá-las em frente.
(...)
Ben Bella era mais líder político do que administrador. Talvez tivesse se afastado demais dos problemas sociais de sua gente.
Kapuscinski cita Neyerere (da Tanzânia) e Sékou Touré (da República da Guiné) evidenciando que também suas iniciativas careceram de recursos financeiros e profissionais engajados... Problemas de ordem comercial foram decisivos para sua derrocada política.
O autor lança uma reflexão sobre a realidade desses países que se colocavam como revolucionários... Tudo levava a crer que a eles não restaria alternativa além de concretizar seu projeto político nacionalista...
As negociações a respeito das lutas dos coirmãos teriam de ser conduzidas por aqueles que estivessem à frente de nações mais desenvolvidas.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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