domingo, 20 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – reunião dos “notáveis” de Daomé em novembro de 1965; sobre o palácio construído ao tempo do presidente Hubert Maga; Lamoureux precipita-se sobre o resultado das conversações; impasse resolvido por nova intervenção militar comandada pelo general Christopher Soglo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_55.html antes de ler esta postagem:

A reunião de emergência com os “notáveis de Daomé” foi marcada para um domingo. O local onde as discussões ocorreram era um famoso palácio construído ao tempo do presidente Hubert Maga, conhecido pela má gestão do dinheiro público e por ter sido retirado do poder pelo coronel Christopher Soglo em 1963.
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Da descrição encontrada em “A Guerra do Futebol” sobre o palácio depreende-se que se tratava de construção luxuosa e extravagante... O orçamento vinculado ao “Plano Trienal” foi totalmente comprometido em sua construção.
O enorme portão foi todo feito em ouro... Na sala principal há colunas em mármore e as serpentes decorativas que as ornamentam também são de ouro puro... Paredes possuem pedras preciosas incrustadas e os pisos são cobertos por refinada tapeçaria persa.
O exército interveio para colocar fim aos abusos do presidente... A desordem já tomava conta das ruas... Soglo assumiu o governo.
O palácio possuía rica prataria que Maga havia conseguido de antiquários franceses... Mas elas desapareceram tão logo o novo presidente tomou posse. Na ocasião, Ahomadegebé fez duras críticas ao ocorrido e, depois de ter investigado por conta própria, concluiu que as baixelas tinham sido surrupiadas pela esposa de Soglo.
Essa inconveniente crise inicial foi superada... Depois ocorreram as eleições que levaram Apithy ao poder...
No entanto Kapuscinski calculava que, se Soglo participasse da reunião dos “notáveis”, este se posicionaria contra Ahomadegebé.
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Voltemos aos acontecimentos de novembro de 1965.
O autor compareceu à reunião... Ele e outros jornalistas encontraram o general Soglo nos degraus que davam acesso ao palácio. O militar é descrito como um tipo de 50 anos, “jovial, corpulento e enérgico”...
Soglo havia servido nas tropas francesas em sua juventude... Não estava uniformizado e portava uma boina verde. Assim como os paraquedistas posicionados ao redor, não carregava armas.
Ele mesmo contou que essa situação se apresentava diferente da que Daomé vivera em 1963, quando o exército se armou para intervir contra Hubert Maga. Naquela oportunidade o staff presidencial refugiou-se num prédio da praça principal sem entender os motivos da movimentação... Soglo armou o único morteiro das Forças Armadas (ele era o único que sabia manipulá-lo) e ameaçou disparar contra o esconderijo... Deu um prazo para que o governo renunciasse... A decisão de renúncia coletiva dos governistas (anunciada ao militar pela janela) foi unânime.
Na animada conversa de Soglo com os jornalistas antes do início da reunião, ele dava conta de que havia tentado de tudo para uma solução negociada entre o autoproclamado presidente e o que havia sido eleito... Mas acrescentou que eles não chegavam a um acordo e que, por isso, não descartava intervir mais seriamente no impasse.
(...)
A conversa corria solta entre os demais...
Disseram que os feiticeiros haviam chegado à conclusão de que a razão estava com Ahomadegebé... Sentenciariam isso durante a reunião dos “notáveis”.
Lamoureux apareceu comentando a respeito... Concluiu que Apithy estava acabado... Então enviou telegrama “esclarecendo a situação” à sua redação em Paris. Os demais correspondentes estranharam a atitude do colega. Consideraram-na precipitada e resolveram aguardar os resultados das discussões.
Porém o impasse continuou... Ao final da reunião os “notáveis” estavam divididos entre os dois litigantes.
(...)
Durante a noite foram distribuídos panfletos em que se criticavam os dois políticos. Propagava-se que as atitudes, principalmente de Ahomadegebé, eram fascistas... E que a única saída para a crise era o Exército.
Ahomadegebé percebeu que devia tomar uma atitude drástica. E foi por isso que se dirigiu a Porto Novo para exigir que comandante do quartel da gendarmaria (major Jackson) prendesse Apithy.
Mas Ahomadegebé retornou a Cotonou sem ter seu desejo sacramentado porque o major manteve-se firme em sua posição de “receber ordens apenas de um general”.
Kapuscinski acredita que, à noite, o major Jackson tenha feito um relato sobre o episódio para o general Soglo...
É que às quatro da manhã, o oficial despertou Apithy exigindo que este assinasse documento de renúncia... O presidente deixou claro que assinaria se, antes, visse a assinatura de Ahomadegebé em carta-renúncia.
(...)
Christopher Soglo agiu sozinho...
Dirigiu-se até Cotonou... Obrigou Ahomadegebé a levantar-se e assinar o documento... Retornou a Porto Novo e conseguiu a renúncia de Apithy.
Às seis da manhã já não havia crise...
O próprio general tornou-se presidente e nomeou Tairu Congacu (“figura insossa e insignificante”, nos dizeres do próprio Kapuscinski) para exercer o cargo de primeiro-ministro.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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