Durante o evento citado na postagem anterior, Boumédiène cumprimentou as pessoas de modo cordial. Sua postura era a daqueles que se sentem pouco à vontade em meio às reuniões formais... Permaneceu em silêncio e, acomodado numa cadeira junto à parede, não foi visto trocando ideias com ninguém.
Os correspondentes internacionais instalados em Argel garantiam que Boumédiène não era de conversa, pois se tratava de um “tipo fechado”... Quando dialogava era em monossílabos... Seus discursos eram preparados com boa antecedência, eram sempre breves e proferidos como se fosse obrigação das mais ingratas.
O coronel não tinha a menor simpatia por civis. Via-os com desconfiança e não lhe agradava a “falação diplomática”... Por isso mesmo dificilmente era visto com um deles.
(...)
O homem de poucas palavras também era de raros
sorrisos...
Um tipo pensativo, pouco dado ao contato com as massas e avesso às “encenações
populistas”... Seu modo de ser era marcado por exagerada simplicidade... Suas
roupas não combinavam e eram “fora de medida”.
Ele não se importava com nada disso... Apenas o
Exército contava...
Boumédiène nunca escondeu sua irritação com Ben Bella e seus gastos
exorbitantes com conferências e encontros diplomáticos. Em sua opinião, a única
salvação para a bagunça que imperava na Argélia seria o engajamento num projeto
encabeçado pelo Exército...
E os civis? Boumédiène os desprezava, pois em sua opinião eram
incapacitados, demagogos e suscetíveis à corrupção.
(...)
Ben Bella já era um nome conhecido e respeitado pelos soldados
envolvidos nas lutas de libertação do país; Boumédiène contava 28 anos e era
professor numa escola árabe.
De modo bem simples,
podemos dizer que Ben Bella envolveu Boumédiène no projeto de emancipação da
Argélia; Boumédiène conduziu Ben Bella ao poder. Depois aconteceu que, em
retribuição, este o defendeu nas reuniões do partido quando pretendiam manter o
Exército isolado da política.
Numa frase, Kapuscinski
destaca a relação entre as duas personalidades: “Sempre apareciam juntos, com Ben
Bella na frente e, atrás dele, como uma sombra, o taciturno e imóvel Boumédiène”.
O que aparecia em
evidência era reconhecido como “líder nato” e “homem do mundo”... Todavia
aquele que era visto como “sombra” representava uma ameaça concreta.
Os temperamentos de um e outro provocavam reações em ambos... O modo de
agir de Ben Bella irritava Boumédiène. Por sua vez, este despertava sérios
temores no outro.
(...)
A jovem nação estava
passando por momentos sombrios?
Pelo menos as expectativas de Kapuscinski não eram
pessimistas.
Ele entendia que Boumédiène tinha um “caráter de aço” e que se tratava
de liderança que não vacilaria em relação aos objetivos revolucionários.
O coronel era um nacionalista árabe que entendia das demandas
sociais dos fellah e dos mais pobres habitantes das cidades.
Esses estratos sociais representavam mais de 90% da população argelina.
Kapuscinski não tinha dúvida de que Boumédiène
dedicaria seu governo a essa questão...
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto