sexta-feira, 11 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – mais sobre Boumédiène e sua personalidade diferente da de Ben Bella; o Exército e o seu papel revolucionário na Argélia; expectativas do autor sobre os rumos da Revolução a partir da segunda metade de 1965

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_11.html antes de ler esta postagem:

Durante o evento citado na postagem anterior, Boumédiène cumprimentou as pessoas de modo cordial. Sua postura era a daqueles que se sentem pouco à vontade em meio às reuniões formais... Permaneceu em silêncio e, acomodado numa cadeira junto à parede, não foi visto trocando ideias com ninguém.
Os correspondentes internacionais instalados em Argel garantiam que Boumédiène não era de conversa, pois se tratava de um “tipo fechado”... Quando dialogava era em monossílabos... Seus discursos eram preparados com boa antecedência, eram sempre breves e proferidos como se fosse obrigação das mais ingratas.
O coronel não tinha a menor simpatia por civis. Via-os com desconfiança e não lhe agradava a “falação diplomática”... Por isso mesmo dificilmente era visto com um deles.
(...)
O homem de poucas palavras também era de raros sorrisos...
Um tipo pensativo, pouco dado ao contato com as massas e avesso às “encenações populistas”... Seu modo de ser era marcado por exagerada simplicidade... Suas roupas não combinavam e eram “fora de medida”.
Ele não se importava com nada disso... Apenas o Exército contava...
Boumédiène nunca escondeu sua irritação com Ben Bella e seus gastos exorbitantes com conferências e encontros diplomáticos. Em sua opinião, a única salvação para a bagunça que imperava na Argélia seria o engajamento num projeto encabeçado pelo Exército...
E os civis? Boumédiène os desprezava, pois em sua opinião eram incapacitados, demagogos e suscetíveis à corrupção.
(...)
Boumédiène e Ben Bella se conheceram no Egito em 1954.
Ben Bella já era um nome conhecido e respeitado pelos soldados envolvidos nas lutas de libertação do país; Boumédiène contava 28 anos e era professor numa escola árabe.
De modo bem simples, podemos dizer que Ben Bella envolveu Boumédiène no projeto de emancipação da Argélia; Boumédiène conduziu Ben Bella ao poder. Depois aconteceu que, em retribuição, este o defendeu nas reuniões do partido quando pretendiam manter o Exército isolado da política.
Numa frase, Kapuscinski destaca a relação entre as duas personalidades: “Sempre apareciam juntos, com Ben Bella na frente e, atrás dele, como uma sombra, o taciturno e imóvel Boumédiène”.
O que aparecia em evidência era reconhecido como “líder nato” e “homem do mundo”... Todavia aquele que era visto como “sombra” representava uma ameaça concreta.
Os temperamentos de um e outro provocavam reações em ambos... O modo de agir de Ben Bella irritava Boumédiène. Por sua vez, este despertava sérios temores no outro.
(...)
A jovem nação estava passando por momentos sombrios?
Pelo menos as expectativas de Kapuscinski não eram pessimistas.
Ele entendia que Boumédiène tinha um “caráter de aço” e que se tratava de liderança que não vacilaria em relação aos objetivos revolucionários.
O coronel era um nacionalista árabe que entendia das demandas sociais dos fellah e dos mais pobres habitantes das cidades.
Esses estratos sociais representavam mais de 90% da população argelina.
Kapuscinski não tinha dúvida de que Boumédiène dedicaria seu governo a essa questão...
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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