domingo, 13 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – reações após o golpe de 19 de junho de 1965; de especulações sobre o paradeiro de Ben Bella, sobre a realização da conferência internacional e sobre o comitê revolucionário; infundadas desconfianças sobre eventuais retaliações; os jovens e suas manifestações; Boumédiène não fazia a menor questão de se portar como os políticos tradicionais

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_67.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski ressalta que para boa parte dos argelinos o golpe de 19 de junho de 1965 provocou mal-estar. Em parte isso se explica pelo conceito que eles faziam de si mesmos... Consideravam-se algo como que a “aristocracia árabe”, e de modo algum um evento como aquele combinava com sua nação... Golpes seriam para países como o Iraque, a Líbia...
Não sabiam como explicar a crise política num momento de grande expectativa para a Conferência Internacional que estava marcada para a semana seguinte... Afinal, haveria ou não o encontro que vinha sendo chamado de a “segunda Bandung”?
As especulações eram muitas...
Havia quem garantisse que Ben Bella estivesse morto... Outros retrucavam e apostavam que ele participaria da Conferência e que estava pronto para receber Nasser, Chou En-Lai e outras lideranças. Não eram poucos os que, ao contrário, diziam que Ben Bella e seus projetos tinham ficado para trás.
Falava-se também que o novo governo perseguiria os comunistas de modo implacável... E que egípcios não escapariam! A apreensão era tamanha que aos poucos o temor de se tornar um “perseguido político” do novo regime tomou conta de todos.
Pessoas desconhecidas passaram a se apresentar como “novas autoridades”. Então a impressão de que a confusão reinava cresceu... Ninguém sabia quem participava do Conselho Revolucionário ou onde ele se reunia... Os cidadãos comuns não tinham certeza se podiam confiar naqueles que se apresentavam como porta-vozes. Corriam o risco dar crédito a impostores...
(...)
Os dias passaram e não se viam manifestações significativas a favor do retorno de Ben Bella... O forte calor que baixou sobre o país explica, em parte, essa situação... É verdade que os mais jovens ousavam se reunir à tarde, depois que o sol dava uma trégua... Eles eram até empolgados, mas não agiam de modo organizado e não conseguiam reunir multidões... Em Argel chegaram a promover um protesto que juntou de 2 mil a 3 mil manifestantes... Mas esse foi o maior evento, e ele também não gerou maiores repercussões porque o exército logo agiu colocando os insatisfeitos para correr.
Depois de seis dias não se falava mais em comícios para protestar contra o golpe... A verdade é que de um modo geral a sociedade permaneceu passiva... Nem mesmo o partido ou sindicatos se manifestaram... Alguns comentavam que estavam se reunindo e discutindo sobre o melhor que poderiam fazer, mas as vacilações eram imensas.
O golpe sacramentou a certeza de que a sociedade argelina era muito dividida... E que o Exército é que possuía força suficiente para assumir o poder. Como as pessoas não conheciam o Exército, ele despertava dúvidas e temores... Todavia as precauções de alguns (principalmente comunistas e outros esquerdistas) revelaram-se infundadas... Eles viviam se escondendo receando serem capturados, mas ninguém foi preso.
(...)
Boumédiène não se importou com a opinião geral a seu respeito... Simplesmente arregaçou as mangas e pôs-se a atuar. De acordo com Kapuscinski, seu estilo não era aquele que a maioria dos africanos esperava dos líderes políticos (que abriam seu coração às massas)... O autor até cita o exemplo de um comício em que Nasser revela à multidão que a filha não tinha passado no exame vestibular.
Boumédiène jamais seria visto em atitude semelhante.
O povo respeitaria e confiaria num tipo tão frio quanto ele?
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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