sexta-feira, 11 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – comício da véspera do golpe; considerações sobre Boumédiène, carreira militar e política; um tipo comedido

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_9.html antes de ler esta postagem:

Ben Bella anunciou a reunião que deveria ocorrer em 19 de junho... O cenário político tornou-se ainda mais confuso.
Ele passou aquela semana de 1965 em Oran, onde tinha alguns compromissos... Enquanto isso, em Argel, debatia-se a respeito das medidas que ele pretendia anunciar... Muitos temiam perder os cargos que ocupavam, e os que já faziam oposição sistemática ao governo uniram-se ainda mais em torno de um golpe.
Ao que parece, Ben Bella não tinha a menor noção do panorama que se avizinhava... E tanto é verdade que no comício de 18 de junho, uma sexta-feira, ele garantiu que o país podia ficar tranquilo, pois havia união entre as lideranças e que não havia divergências no governo... Foi enfático ao dizer que os que falavam de intrigas só podiam estar fazendo propaganda enganosa e antipatriótica.
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Após esse famoso comício, Ben Bella assistiu a uma partida de futebol antes de retornar à capital... Chegou à Villa Joly à noite.
Kapuscinski revela que o presidente recebeu telefonema sugerindo uma reunião emergencial. Mas Ben Bella não teria aceitado o encontro porque estava muito cansado...
Como se sabe, às duas da manhã, Tahar Zbiri chegou à residência com seus homens devidamente armados.
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Quando Kapuscinski escreveu a respeito do golpe, o paradeiro de Ben Bella era ainda desconhecido.
O autor de “A Guerra do Futebol” registrou algumas conclusões a partir da análise de situações que vivenciou e de conjecturas diversas...
Para ele, o próprio Ben Bella devia ser considerado responsável pela crise política da qual ele mesmo era o pivô.
Ao que tudo indica, o coronel Houari Boumédiène havia sido o principal comandante do golpe.
É por isso que, na sequência são tecidas algumas considerações a respeito dele.
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Na Argélia não havia patentes militares mais altas do que a de coronel. Kapuscinski ressalta que isso era típico das sociedades em que os exércitos revolucionários e populares chegavam ao poder... Nem mesmo eram percebidas diferenças (qualidade de tecido ou corte) entre os uniformes dos oficiais e dos soldados.
Não devemos pensar Boumédiène como alguém que se destacasse dos demais militares... Não fazia o tipo que quer aparentar altivez... Ele havia sido vice-primeiro-ministro, ministro da Defesa, membro do Comitê Político da FNL e da Assembleia Nacional... Foi comandante do Exército Popular e, antes de tudo isso, exercera a função de professor de literatura árabe.
Diferentemente de Ben Bella, Boumédiène não contava com a simpatia dos jornais. Ele mesmo não gostava de ser fotografado ou de ser apresentado em evidência pelos periódicos... E pode se dizer que não era fotogênico.
Kapuscinski destaca alguns traços físicos do coronel: altura mediana, magro, aparência simpática; rosto comprido de bochechas caídas e mandíbula protuberante; olhos encovados e castanhos; não se pode dizer que tivesse porte físico árabe; moreno de vasta cabeleira; bigodes aparados e típicos dos que fumam “um cigarro depois do outro”.
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Kapuscinski o conheceu no Palácio do Povo, numa ocasião em que o militar participou de uma recepção logo depois do 19 de junho...
Definitivamente, Boumédiène não tinha a postura dos déspotas... O autor sentiu-se à vontade para fazer esse tipo de juízo porque possuía algumas referências sobre militares que chegavam ao poder político através de golpes.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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