sábado, 19 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – imbróglio político entre Sourou Migan Apithy e Justin Ahomadegbé paralisa Daomé

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_19.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski estava a caminho de Lagos, Nigéria...
A cada país que ele adentrava, um novo Golpe de Estado estourava ou havia acabado de ocorrer. Não há nada de extraordinário na coincidência...
De fato, as jovens nações africanas estavam sofrendo demais com a inexperiência política, e estava claro que o modelo ocidental não se encaixaria sem transtornos...
É bem verdade que as pressões das potências capitalistas e socialistas eram muito intensas sobre os países recentemente emancipados... Por motivos diversos, não poucas lideranças africanas atuavam conforme a orientação de uma delas. Invariavelmente os resultados eram desastrosos.
Mas também é certo que as tradições locais, antigas rivalidades e vaidades pessoais travavam diálogos e acertos em torno do bem comum... Evidentemente a transição à condição de nação autônoma só podia se tornar ainda mais difícil.
(...)
Aconteceu mesmo que ao chegar a Cotonotu (com Porto Novo era capital da antiga Daomé), o jornalista polonês foi recebido pelo colega francês Jacques Lamoureux aos gritos que anunciavam uma revolução em curso.
Vale a pena tratar dos episódios. Eles nos ajudam a entender melhor o que ficou evidenciado até aqui.
Basicamente a confusão se estabelecera entre o presidente e o vice (respectivamente Sourou Migan Apithy e Justin Ahomadegbé)... Este último acumulava também a chefia de governo...
O problema estava no fato de os dois não se entenderem em relação à nomeação de um juiz para a Suprema Corte... Os dois consideravam que tinham o direito de fazer a escolha (principalmente porque tinham compromissos com inúmeros familiares que esperavam ser contemplados com o cargo público).
O desentendimento resultou em ruptura da relação... Os dois mandatários não mais se falavam... Para não dizer que não mais se relacionavam, trocavam cartas. Porém até a correspondência entre ambos foi estremecida porque as mensagens tornaram-se carregadas de ofensas na medida em que também passaram a tocar na nomeação do juiz.
Kapuscinski confirma ter visto algumas cartas que lhe foram mostradas por Apithy...
O fato é que, por causa do desentendimento de ordem pessoal, o país ficou paralisado. Governo, partido, congressistas e oficiais do exército não tratavam de outra coisa além da nomeação do juiz...
Pelo visto as partes estavam dispostas a resolver o impasse com uma reunião extraordinária do PDD (Parti Démocratique Dahoméen)... Foi Ahomadegbé quem a convocou e o resultado final foi a destituição de Apithy do Partido e da presidência do país... O documento redigido justificava que isso era necessário, pois se tratava da “única forma de preservar a unidade da nação daomeniana”.
Ahomadegbé anunciou pelo rádio o seu compromisso de governar o país, algo que “a História havia reservado a ele”... Assumiria imediatamente a responsabilidade de presidir Daomé... Com isso colocava ponto final à crise e se autoproclamava vencedor da disputa com Apithy.
(...)
Um dia depois da reunião e anúncio de Ahomadegbé, Kapuscinski e outros jornalistas fizeram uma visita a Aphity.
O homem estava muito tranquilo e garantiu que não tinha motivos para se preocupar, pois havia sido eleito pelo povo e que “apenas o povo poderia destituí-lo”.
Então ocorreu o inusitado... O país passou a contar com “dois chefes de Estado”... O impasse parecia ter piorado quando foi sugerido que uma comissão de “notáveis” resolvesse o imbróglio político numa reunião emergencial.
Dessa comissão faziam parte padres, feiticeiros, dirigentes do partido, congressistas, representantes dos estudantes e dos atacadistas de bazares (segundo o autor, uma grande força política local), além de oficiais militares.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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