Kapuscinski deixou Daomé para trás...
Ele refletiu sobre os países pelos quais passara no último mês (novembro). Registrou uma síntese dramática a respeito... Constatou que em quatro deles vigorava o Estado de Sítio... O quadro político era desanimador: presidentes haviam sofrido atentados ou tinham sido definitivamente depostos; militares intervinham e pressionavam lideranças civis que temiam sair de casa; dezenas de mortos em conflitos; quantidade exorbitante de presos políticos.
(...)
A estrada que o levaria a
Lagos estava repleta de barreiras e tropas que exigiam identificação e
documentos variados.
Desde outubro de 1965 a Nigéria vinha sofrendo com uma
guerra civil sem que houvesse expectativa de que algum dia terminaria... Mortes
e incêndios de casas tinham se tornado eventos comuns no país, sobretudo em sua
porção ocidental.
O seu caminho seria “pontilhado” por restos de veículos destruídos pelo
fogo.
(...)
A Nigéria respirava uma atmosfera de tensão e
pólvora...
É preciso destacar que neste ponto Kapuscinski ainda não entra em
maiores detalhes a respeito da organização política nigeriana dos primeiros
anos após a sua independência... Por causa disso, os temas que seguem nesta
postagem podem parecer confusos.
(...)
Quinhentos e vinte quilômetros de estrada percorrida estavam controlados
por soldados... O veículo que conduziu o polonês foi parado por 21 blitzes para revistas e indagações.
Em janeiro de 1966 o autor estava devidamente estabelecido em Lagos como
correspondente de guerra... Sua missão exigia que ele se deslocasse aos locais
de confronto...
Aos poucos ele deu conta de que as ruas da capital eram vigiadas
permanentemente... E isso não era por acaso, já que os automóveis e outros
veículos utilitários poderiam transportar secretamente armas de fogo em seus
bagageiros ou em inocentes sacas de grãos.
Mas essa sensação de
vigilância desaparecia conforme o correspondente se aproximava das áreas
limítrofes de Lagos.
(...)
Na direção das planícies
que abriam caminho para o sudoeste do país, Kapuscinski esperava adentrar as
terras iorubas, povo “cheio de deuses e de reis”...
A divindade ioruba
mais importante é o deus Oduduwa, que habita para “muito além do sol”... Mas os
reis estão espalhados pelas proximidades... Cada cidade ioruba tinha o seu
rei...
“Nenhum outro país tem tantos reis” como os iorubas... E eles se
orgulham por isso.
(...)
Para termos uma ideia do
que era o conflito que assolava o país, devemos levar em consideração alguns
episódios políticos ocorridos em 1962, quando os iorubas se dividiram em duas
agremiações políticas: uma majoritária, UPGA (United Progressive Grand
Alliance); e outra minoritária, NNDP (Nigerian National Democratic Party).
O governo central entendia que os iorubas tinham
tendências separatistas. Então fez de tudo para que o partido majoritário não
assumisse o poder na província. Evidentemente se considerava que um partido
frágil no comando da área ioruba tornaria a secessão menos provável.
Está claro que a UPGA fazia oposição ao governo central... A maioria dos
iorubas se engajou em protestos e se mostrou disposta a lutar contra as
manobras governistas. As eleições que ocorreram no segundo semestre de 1965
revelaram que a UPGA dificilmente seria derrotada. Mas aconteceu que o governo
não levou em consideração o resultado das urnas e quis impor o NNDP.
Ocorreram protestos que desencadearam a
desobediência civil... Os iorubas decidiram estabelecer um governo próprio e
simplesmente desrespeitaram a decisão do governo central.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto