No período em que estiveram presos, os jornalistas foram interrogados por civis que, de acordo com Kapuscinski, só podiam ser de Stanleyville... As perguntas eram maçantes e via-se que os interrogadores conheciam muito bem a sede do governo Gizenga...
Em nenhum momento aceitaram que os três fossem repórteres políticos. De certo modo o polonês até entendeu a postura dos agentes... Ele mesmo conclui que o jornalismo estava repleto de “marginais” infiltrados entre os profissionais sérios.
Ao notarem que não eles não tinham nada de relevante a informar, os abandonaram à sorte do cárcere vigiado diuturnamente.
(...)
Sempre havia um paraquedista de plantão... A cada doze
horas havia a troca da guarda, sendo que o do período noturno assumia às 21:00.
Era esse que trazia a única refeição a que tinham direito.
O responsável pelo período diurno tratava de levá-los um a um ao banheiro...
Na cela “não havia sequer um balde” para as necessidades mais urgentes.
Também o fato de não terem permissão para se lavarem
provocava intenso incômodo, sobretudo para Jarda (que era asmático)... Mesmo
assim não tinham direito a atendimento médico...
A visão que tinham do exterior se reduzia aos ombros e capacete do
paraquedista de plantão... Para além dele estava uma planície que chegava ao
lago... E para além das águas estava a cadeia de montanhas... Eventualmente
podiam notar decolagem ou aterrissagem de aviões.
A monotonia proporcionava instantes de profunda angústia... O que podiam
esperar senão a morte? Aqueles tipos embrutecidos podiam apagá-los a qualquer
momento... Kapuscinski lembra que personalidades muito importantes estavam
sendo eliminadas...
(...)
A situação lembrava uma trama kafkiana... Os rapazes estavam presos e
tinham sido acusados, mas não tinham como se defender ou reivindicar qualquer
direito... Sequer podiam contatar alguém do “mundo exterior” e não tinham a
menor ideia do que reservavam para eles... Nem mesmo sabiam quem exercia
autoridade no local!
A situação mudou um pouco depois que um novo paraquedista chegou para
assumir o turno da noite... Ele queria vender dentes de hipopótamo e por isso
pôs-se a falar com os três... Eles responderam que assim que recuperassem o
dinheiro que lhes fora subtraído poderiam adquirir alguns daqueles dentes
magníficos.
O turno da tarde continuou
sob a responsabilidade de tipos que não permitiam diálogo... Certa vez um
funcionário do bar do aeroporto (um africano “tutsi, alto e digno”) conseguiu
se aproximar da grade e disse que havia ouvido uma conversa entre oficiais que
diziam claramente que os três seriam fuzilados no dia seguinte.
(...)
Kapuscinski explica que
tentou evitar transmitir as sensações dos que ficam sabendo do “agendamento de
sua sentença para o dia seguinte”... Mas acaba extravasando: Evidentemente a
depressão o domina e ela é enorme... A sensação de impotência enfraquece todos
os seus músculos... Falta energia para desferir murros contra a parede ou
cabeçadas contra o piso...
A noite foi de silêncio e ataque de asma... Insônia.
(...)
O quadro sombrio se
completou quando uma torrencial chuva caiu sobre o aeroporto...
Ao amanhecer, a chuva ainda se fazia presente...
Talvez por causa da falta
de visibilidade na pista mais próxima do lago, um avião pousou perto da ala
onde os três amargavam o cárcere e a expectativa de execução iminente.
Os pilotos brancos seguiram para o prédio principal...
Mas alguns comissários negros permaneceram circulando pelas imediações...
Kapuscinski. Jarda e Duszan começaram a agitar os braços e a chamá-los...
Fizeram isso sem pestanejar porque sabiam que o turno do paraquedista da noite
ainda não havia terminado.
O “vendedor de dentes de hipopótamo” até retirou-se ao perceber que eles
pretendiam que os comissários se aproximassem. De fato, um deles chegou bem
perto e Jarda quis saber para onde o avião partiria... O tipo respondeu que
iriam para Leopoldville... Então Jarda explicou sucintamente o que estava
ocorrendo com eles, e também que tinham pouco tempo de vida... Depois implorou
que o homem entrasse em contato com o escritório da ONU em Leopoldville para
relatar sobre a situação em que se encontravam... Emendou que era preciso que o
mundo soubesse daquela opressão... Pediu para interceder por eles... Isso
poderia resultar no envio de tropas e consequente libertação.
O tipo contemplou os rostos
imundos e assustados...
Depois respondeu que veria o que poderia fazer.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto