Kapuscinski se despediu dos companheiros jornalistas tchecos... Ele retornou para Varsóvia, onde se pôs a escrever sobre a África e especificamente sobre a situação do Congo...
Você pode pensar que só a “experiência de campo” vivida pelo polonês já seria suficiente para encher páginas e mais páginas... Mas é claro que o autor usou de toda a sua objetividade e percepção para descrever o que se passava no Congo.
Ele escreveu a respeito da luta... Tratou das situações de litígio... Fez isso não sem lamentar o sacrifício de homens como Lumumba... Todavia apresentou sua visão realista dos fatos.
(...)
A matéria que preparou foi questionada por um membro
do Ministério das Relações Exteriores... Kapuscincki não cita o nome do tipo,
mas notamos o quanto o seu modo de ser se distanciava da “prática” dos
camaradas engajados na burocracia...
Bem ao modo dos revolucionários inspirados na Revolução Russa de 1917 (o
tipo se aproximou falando na terceira pessoa do plural, aliás, como muitos
faziam), o camarada reprovou o texto e quis saber como ele podia ter
classificado de “anarquia” a revolução que se processava... Além disso,
reprovou suas “ilações explosivas” a respeito da queda de Gizenga e da vitória
de Mobutu...
Kapuscinki trazia em sua mente e ossos, o cansaço e a
dor das perseguições sofrida em Stanleyville e Usumbura... Disse apenas que o
camarada podia, ele mesmo, partir para o Congo e conferir com os próprios olhos
a situação... De sua parte, ficaria torcendo para que o mesmo retornasse com
vida...
O camarada sentenciou que lamentava não mais ser favorável a novas
expedições do jornalista para o exterior... E emendou que Kapuscinski não era
capaz de entender “os processos marxista-leninistas” que “nasciam naquela parte
do mundo”.
Kapuscinski disse apenas que “está certo!” Concordou que na Polônia
havia muito sobre o que podia escrever...
(...)
Na sequência, ele explica que voltou a redigir para a Revista Polityca e viajou pela Polônia... A
respeito do Congo, finaliza afirmando que no país ocorreu “tudo o que tinha que
acontecer” e que “qualquer um que estivera lá” sabia que as crises
prosseguiriam cada vez mais graves.
No começo de 1962, Kapuscinski retornou à África Negra como
correspondente polonês permanente... Sua missão primeira seria a de abrir um
escritório da Agência Polonesa de Imprensa (PAP) em Dar es Salaam (capital da
Tanzânia, que naquele tempo se chamava Tanganica; sua condição de nação
independente estava em seus primórdios – a independência em relação à
Inglaterra data de 9/dezembro/1961).
Sobre o Congo... Em tempo: Em 1966 Stanleyville e Leopoldville
(assim denominadas em homenagem ao jornalista e explorador H. M. Stanley e ao
rei Leopoldo II da Bélgica) tiveram seus nomes alterados... Enquanto a primeira
cidade passou a se chamar Kisangani, a antiga capital Leopoldville tornou-se
Kinshasa.
(...)
Nas páginas seguintes de
seu A Guerra do Futebol, Kapuscinski
expõe registros de uma carta que lhe fora enviada por L. Millinga Millinga,
ativista da Frente de Libertação de Moçambique*.
* FRELIMO – que havia sido fundada
em Dar es Salaam em junho de 1962 com o objetivo de agregar esforços de todos
os que ansiavam pela independência do Moçambique em relação a Portugal.
Em síntese, podemos dizer que a mensagem de Millinga solicitava auxílio
monetário que estivesse ao alcance do destinatário para que o seu casamento com
a Srta. Veronika Njige (então secretária distrital da Tanganyika African
National Union em Morogoro) pudesse ser encaminhado.
Millinga se definia como
despojado e dedicado “Guerreiro pela Liberdade” e que, sem nenhum tipo de remuneração,
não tinha como cumprir a sua promessa de casamento à “Adorada e Dona de seu
Coração”.
Suas dificuldades se agravavam na medida em que os
pais da noiva exigiam o pagamento de volumoso dote e mais outra significativa
quantia em dinheiro (e não em vacas e cabras, como poderia ocorrer) aos primos
da donzela.
O apaixonado militante implorava, pois sua bem querida noiva
escrevia-lhe três vezes por semana e insistia que o casório devia ocorrer antes
de novembro de 1962... Para a também “Guerreira pela Liberdade” os dois
deveriam viver juntos o mais rápido possível... O próprio Millinga sustentava
que, para ela, seria muito melhor casar-se a continuar a viver na casa dos
pais. Até porque ela já se encontrava em “idade madura”.
Millinga finaliza sua carta solicitando que o envio de
auxílio financeiro não seja confundido com doação ao Partido da Libertação do
Moçambique... Era por isso que ele recomendava que as transferências que
pretendessem fazer em auxílio ao “socorro financeiro para as bodas” fossem
remetidas à sua caixa postal em Dar es Salaam...
Ele havia convocado o primo, W.L. Mbunga, para assumir
a arrecadação e o controle. Assim não haveria nenhuma confusão com quantias que
quisessem destinar à causa específica da libertação do Moçambique.
(...)
Kapuscinski conta que enviou o que pôde para contribuir com o casamento
do amigo ativista... Ficou sabendo que a carta havia sido copiada e enviada a
muitos outros simpatizantes e também a embaixadas... Assim, o cerimonial
resultou em bem sucedido.
O polonês registra que poucos dias antes de
tratar desses episódios havia encontrado o recém-casado Millinga e esposa numa
recepção na embaixada soviética... Ele, baixinho e de barba mal feita, estava
imerso em reflexões; ela, jovem e seios fartos, a “Dama de Seu Coração”, estava
com “cara de poucos amigos”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto