sábado, 12 de dezembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – no retorno a Varsóvia, conclusões sobre o Congo e sua crise não são compartilhadas pelos camaradas burocratas; transferência para Tanganica no início de 1962; uma síntese da carta do ativista L. Millinga Millinga a Kapuscinski (e a muita gente); revolucionários também amam

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/12/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_10.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski se despediu dos companheiros jornalistas tchecos... Ele retornou para Varsóvia, onde se pôs a escrever sobre a África e especificamente sobre a situação do Congo...
Você pode pensar que só a “experiência de campo” vivida pelo polonês já seria suficiente para encher páginas e mais páginas... Mas é claro que o autor usou de toda a sua objetividade e percepção para descrever o que se passava no Congo.
Ele escreveu a respeito da luta... Tratou das situações de litígio... Fez isso não sem lamentar o sacrifício de homens como Lumumba... Todavia apresentou sua visão realista dos fatos.
(...)
A matéria que preparou foi questionada por um membro do Ministério das Relações Exteriores... Kapuscincki não cita o nome do tipo, mas notamos o quanto o seu modo de ser se distanciava da “prática” dos camaradas engajados na burocracia...
Bem ao modo dos revolucionários inspirados na Revolução Russa de 1917 (o tipo se aproximou falando na terceira pessoa do plural, aliás, como muitos faziam), o camarada reprovou o texto e quis saber como ele podia ter classificado de “anarquia” a revolução que se processava... Além disso, reprovou suas “ilações explosivas” a respeito da queda de Gizenga e da vitória de Mobutu...
Kapuscinki trazia em sua mente e ossos, o cansaço e a dor das perseguições sofrida em Stanleyville e Usumbura... Disse apenas que o camarada podia, ele mesmo, partir para o Congo e conferir com os próprios olhos a situação... De sua parte, ficaria torcendo para que o mesmo retornasse com vida...
O camarada sentenciou que lamentava não mais ser favorável a novas expedições do jornalista para o exterior... E emendou que Kapuscinski não era capaz de entender “os processos marxista-leninistas” que “nasciam naquela parte do mundo”.
Kapuscinski disse apenas que “está certo!” Concordou que na Polônia havia muito sobre o que podia escrever...
(...)
Na sequência, ele explica que voltou a redigir para a Revista Polityca e viajou pela Polônia... A respeito do Congo, finaliza afirmando que no país ocorreu “tudo o que tinha que acontecer” e que “qualquer um que estivera lá” sabia que as crises prosseguiriam cada vez mais graves.
No começo de 1962, Kapuscinski retornou à África Negra como correspondente polonês permanente... Sua missão primeira seria a de abrir um escritório da Agência Polonesa de Imprensa (PAP) em Dar es Salaam (capital da Tanzânia, que naquele tempo se chamava Tanganica; sua condição de nação independente estava em seus primórdios – a independência em relação à Inglaterra data de 9/dezembro/1961).

                                                           Sobre o Congo... Em tempo: Em 1966 Stanleyville e Leopoldville (assim denominadas em homenagem ao jornalista e explorador H. M. Stanley e ao rei Leopoldo II da Bélgica) tiveram seus nomes alterados... Enquanto a primeira cidade passou a se chamar Kisangani, a antiga capital Leopoldville tornou-se Kinshasa.

(...)

Nas páginas seguintes de seu A Guerra do Futebol, Kapuscinski expõe registros de uma carta que lhe fora enviada por L. Millinga Millinga, ativista da Frente de Libertação de Moçambique*.

                                                           * FRELIMO – que havia sido fundada em Dar es Salaam em junho de 1962 com o objetivo de agregar esforços de todos os que ansiavam pela independência do Moçambique em relação a Portugal.

Em síntese, podemos dizer que a mensagem de Millinga solicitava auxílio monetário que estivesse ao alcance do destinatário para que o seu casamento com a Srta. Veronika Njige (então secretária distrital da Tanganyika African National Union em Morogoro) pudesse ser encaminhado.
Millinga se definia como despojado e dedicado “Guerreiro pela Liberdade” e que, sem nenhum tipo de remuneração, não tinha como cumprir a sua promessa de casamento à “Adorada e Dona de seu Coração”.
Suas dificuldades se agravavam na medida em que os pais da noiva exigiam o pagamento de volumoso dote e mais outra significativa quantia em dinheiro (e não em vacas e cabras, como poderia ocorrer) aos primos da donzela.
O apaixonado militante implorava, pois sua bem querida noiva escrevia-lhe três vezes por semana e insistia que o casório devia ocorrer antes de novembro de 1962... Para a também “Guerreira pela Liberdade” os dois deveriam viver juntos o mais rápido possível... O próprio Millinga sustentava que, para ela, seria muito melhor casar-se a continuar a viver na casa dos pais. Até porque ela já se encontrava em “idade madura”.
Millinga finaliza sua carta solicitando que o envio de auxílio financeiro não seja confundido com doação ao Partido da Libertação do Moçambique... Era por isso que ele recomendava que as transferências que pretendessem fazer em auxílio ao “socorro financeiro para as bodas” fossem remetidas à sua caixa postal em Dar es Salaam...
Ele havia convocado o primo, W.L. Mbunga, para assumir a arrecadação e o controle. Assim não haveria nenhuma confusão com quantias que quisessem destinar à causa específica da libertação do Moçambique. 
(...)
Kapuscinski conta que enviou o que pôde para contribuir com o casamento do amigo ativista... Ficou sabendo que a carta havia sido copiada e enviada a muitos outros simpatizantes e também a embaixadas... Assim, o cerimonial resultou em bem sucedido.
O polonês registra que poucos dias antes de tratar desses episódios havia encontrado o recém-casado Millinga e esposa numa recepção na embaixada soviética... Ele, baixinho e de barba mal feita, estava imerso em reflexões; ela, jovem e seios fartos, a “Dama de Seu Coração”, estava com “cara de poucos amigos”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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