quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a sorte foi lançada; soldados etíopes que integravam as tropas da ONU apareceram para libertar Kapuscinski e os companheiros jornalistas tchecos; livres em Roma; de contradições entre a Europa próspera e a África marcada por trágicas heranças deixadas pelos europeus

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/12/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_8.html antes de ler esta postagem:

Havia esperança de que o comissário levasse os lamentos dos três jornalistas ao escritório da ONU em Leopoldville...
Isso os animou... A cela anteriormente emudecida foi tomada por movimento e troca de ideias...
Temos de entender que eles estavam presos no aeroporto de Usumbura, onde o avanço das horas deixavam-nos angustiados, pois cada vez mais o amargo fim no paredão se aproximava.
(...)
Bem poucos entre nós devem ter passado por uma experiência assim...
Não deve ser nada fácil saber que estamos vivendo os últimos instantes de nossa existência... Quem tem estrutura suficiente para suportar que seu destino tenha sido selado por alguém que estabelece o momento em que a morte o alcançará?
Que situação a dos que depositam nas mãos de outrem a sua última esperança!
(...)
Esse era o caso dos três rapazes...
Assim que o avião partiu, inúmeras dúvidas agitaram suas mentes...
Será que o comissário estaria disposto a encaminhar suas angústias à ONU?
Se fizesse isso, quem receberia tais informações?
Afinal, seriam mesmo receptivos ou “dariam de ombros”?
(...)
Kapuscinski e os companheiros passaram a cogitar sobre várias situações...
O avião levaria mais ou menos a metade do dia para chegar a Leopoldville... É certo que, se o comissário entrasse em contato com o escritório local das Nações Unidas, o pessoal de lá poderia telefonar à sede em Usumbura... Isso poderia resultar em intervenção que os livrasse da execução...
Mas mesmo que tudo isso ocorresse em tempo recorde, a possibilidade de serem eliminados pelos paraquedistas a qualquer momento permanecia...
Podemos dizer que “a sorte estava lançada”... A qualquer momento poderiam abrir a porta para entrega-los às tropas de algum mercenário (falava-se muito de Siegfried Müller), ou encaminhá-los à imediata execução!
(...)
No período da tarde um veículo militar parou bruscamente junto à ala onde estavam os prisioneiros.
No mesmo instante eles colaram os rostos na pequena janela...
Viram que um jipe com bandeirolas da ONU transportava quatro soldados negros que traziam capacetes azul-celeste... Eles pertenciam à guarda do imperador etíope Hailé Selassié e estavam no Congo participando das tropas da ONU.
(...)
Kapuscinski tornou-se profundamente grato aos homens que os salvaram... Eles não conheciam aqueles tipos (o congolês comissário do avião e o outro que trabalhava no escritório da ONU em Leopoldville)... Jamais conheceriam... Mas sinceramente reconheciam que verdadeiramente se tratavam de Homens que alimentavam a virtude da honestidade e “outros sentimentos humanos”.
Que tipo de negociação poderia ter ocorrido? Difícil saber... Afinal o destino de Kapuscinski, Jarda e Duszan deve ter sido disputado pelos paraquedistas e pelos que representavam a ONU... Era certo que entre os dois grupamentos havia muitos rancores que afloravam desde o entrevero sobre quem mandaria no Congo.
(...)
No dia seguinte, Kapuscinski e os companheiros jornalistas tchecos partiram para Roma num avião da Companhia Sabair...
Os três ficaram como que chocados ao desembarcarem no aeroporto internacional de Fiumicino... De uma hora para outra passavam de um ambiente caótico marcado pela violência da guerra, e por ameaças reais de morte, a uma realidade totalmente oposta... No aeroporto desfilavam pessoas que podiam ser o retrato de uma “Europa feliz, saciada e em paz”...
Definitivamente a visão podia ser classificada por eles como “exótica”... Turistas apressados não queriam perder as históricas construções da “cidade eterna”; por toda parte viam-se jovens vestidas com peças da última moda; homens elegantemente trajados seguiam para reuniões empresariais ou conferências internacionais...
Para toda aquela gente, e também para os que pretendiam alcançar o portão de embarque para as regiões espanholas de badaladas praias, “exótica” era a situação daqueles três assustados e fedorentos jornalistas... Kapuscinski chegou mesmo a pensar que estariam “mais ambientados” em Stanleyville ou no aeroporto de Usumbura do que no meio da elegante correria de Fiumicino.
(...)
Os policiais estranharam a condição em que os três se encontravam... Então entraram em contato com as embaixadas... Elas estavam à procura deles “pelo mundo todo”... Só mais tarde os embaixadores apareceram para recepcioná-los e resolver o problema dos vistos... Passaram a noite no aeroporto porque os vistos só foram emitidos no dia seguinte.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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