Havia esperança de que o comissário levasse os lamentos dos três jornalistas ao escritório da ONU em Leopoldville...
Isso os animou... A cela anteriormente emudecida foi tomada por movimento e troca de ideias...
Temos de entender que eles estavam presos no aeroporto de Usumbura, onde o avanço das horas deixavam-nos angustiados, pois cada vez mais o amargo fim no paredão se aproximava.
(...)
Bem poucos entre nós devem ter passado por uma
experiência assim...
Não deve ser nada fácil saber que estamos vivendo os últimos instantes
de nossa existência... Quem tem estrutura suficiente para suportar que seu
destino tenha sido selado por alguém que estabelece o momento em que a morte o
alcançará?
Que situação a dos que depositam nas mãos de outrem a
sua última esperança!
(...)
Esse era o caso dos três
rapazes...
Assim que o avião partiu, inúmeras dúvidas agitaram suas mentes...
Será que o comissário estaria disposto a encaminhar suas angústias à
ONU?
Se fizesse isso, quem receberia tais informações?
Afinal, seriam mesmo receptivos ou “dariam de ombros”?
(...)
Kapuscinski e os
companheiros passaram a cogitar sobre várias situações...
O avião levaria mais ou
menos a metade do dia para chegar a Leopoldville... É certo que, se o
comissário entrasse em contato com o escritório local das Nações Unidas, o
pessoal de lá poderia telefonar à sede em Usumbura... Isso poderia resultar em
intervenção que os livrasse da execução...
Mas mesmo que tudo isso ocorresse em tempo recorde, a
possibilidade de serem eliminados pelos paraquedistas a qualquer momento permanecia...
Podemos dizer que “a sorte
estava lançada”... A qualquer momento poderiam abrir a porta para entrega-los
às tropas de algum mercenário (falava-se muito de Siegfried Müller), ou
encaminhá-los à imediata execução!
(...)
No período da tarde um veículo militar parou bruscamente junto à ala
onde estavam os prisioneiros.
No mesmo instante eles
colaram os rostos na pequena janela...
Viram que um jipe com bandeirolas da ONU transportava quatro
soldados negros que traziam capacetes azul-celeste... Eles pertenciam à guarda
do imperador etíope Hailé Selassié e estavam no Congo participando das tropas
da ONU.
(...)
Kapuscinski tornou-se profundamente grato aos homens que os salvaram... Eles
não conheciam aqueles tipos (o congolês comissário do avião e o outro que
trabalhava no escritório da ONU em Leopoldville)... Jamais conheceriam... Mas sinceramente
reconheciam que verdadeiramente se tratavam de Homens que alimentavam a
virtude da honestidade e “outros sentimentos humanos”.
Que tipo de negociação poderia ter ocorrido? Difícil
saber... Afinal o destino de Kapuscinski, Jarda e Duszan deve ter sido
disputado pelos paraquedistas e pelos que representavam a ONU... Era certo que
entre os dois grupamentos havia muitos rancores que afloravam desde o entrevero
sobre quem mandaria no Congo.
(...)
No dia seguinte, Kapuscinski e os companheiros jornalistas tchecos
partiram para Roma num avião da Companhia Sabair...
Os três ficaram como que chocados ao desembarcarem no aeroporto internacional
de Fiumicino... De uma hora para outra passavam de um ambiente caótico marcado
pela violência da guerra, e por ameaças reais de morte, a uma realidade totalmente
oposta... No aeroporto desfilavam pessoas que podiam ser o retrato de uma “Europa
feliz, saciada e em paz”...
Definitivamente a visão podia ser classificada por eles como “exótica”...
Turistas apressados não queriam perder as históricas construções da “cidade
eterna”; por toda parte viam-se jovens vestidas com peças da última moda; homens
elegantemente trajados seguiam para reuniões empresariais ou conferências
internacionais...
Para toda aquela gente, e também para os que pretendiam alcançar o
portão de embarque para as regiões espanholas de badaladas praias, “exótica”
era a situação daqueles três assustados e fedorentos jornalistas... Kapuscinski
chegou mesmo a pensar que estariam “mais ambientados” em Stanleyville ou no
aeroporto de Usumbura do que no meio da elegante correria de Fiumicino.
(...)
Os policiais estranharam a condição em que os três se encontravam... Então entraram em contato com as embaixadas... Elas estavam à procura deles “pelo mundo todo”... Só mais tarde os embaixadores apareceram para recepcioná-los e resolver o problema dos vistos... Passaram a noite no aeroporto porque os vistos só foram emitidos no dia seguinte.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto