Vimos que depois do assassinato de Lumumba, o fragilizado governo não conseguia deter as ações de grupos armados que estavam “fazendo justiça com as próprias mãos”... Esses tipos visavam inimigos políticos e europeus.
A situação dos jornalistas era das piores... Além de perseguidos, passavam fome e não tinham a quem recorrer... Apesar disso, não pretendiam deixar o Congo.
(...)
Estamos no ponto em que
Kapuscinski e os companheiros Jarda e Duszan permaneceram no Residence Equateur
logo após varredura feita por um esquadrão de extermínio...
Milagrosamente escaparam de linchamentos e de
captura...
Estavam no hall do hotel quando jovens fardados e fortemente armados
chegaram...
Tudo indicava que dessa vez não se safariam... Até
porque o tipo que parecia chefiar os moços se apressou para se colocar diante
dos três rendidos...
Porém aconteceu que, em obediência a um gesto de comando, as armas foram
recolhidas.
Kapuscinski percebeu que chefe do grupo havia reconhecido Jarda... É por
isso que mais uma vez se salvaram...
Perguntado a respeito, Jarda explicou que aquele era certo Bernard
Salmon, entrevistado por ele no Cairo, onde o tipo estivera como “emissário de
Lumumba”...
Não trocaram nenhuma palavra dessa vez, mas era certo que o militar
poupara a vida dos três ao reconhecê-lo.
(...)
Passado mais esse sufoco,
Kapuscinski, Jarda e Duszan redigiram telegramas contendo matérias
jornalísticas acerca da morte de Lumumba e sobre o estado de coisas em
Stanleyville... Os textos que emitiriam aos seus periódicos careciam de maiores
informações e, também por isso, eram sucintos... Nenhuma linha sobre seus
dramas particulares foi escrita.
O problema seguinte passou
a ser o da ida até o correio... Teriam de atravessar a cidade! É claro que
atrairiam a atenção de outros bandos armados!
(...)
O trio havia comprado
um velho carro logo que chegaram à cidade... O modelo Taunus pertencera a um
hindu que não se importou de abrir mão do desgastado veículo... Jarda costumava
dirigi-lo e propôs saírem no meio da tarde quente e abafada.
Apesar dos temores que nutriam, já que podiam ser identificados
facilmente, conseguiram atravessar os quarteirões com tranquilidade... As ruas
estavam tão desertas que parecia que circulavam por uma gigantesca maquete...
Encontraram o prédio dos correios isolado.
(...)
Uma pequena porta de metal
deu passagem para o porão. Os jornalistas percorreram um corredor malcheiroso e
depois subiram uma escada que dava para um grande salão abarrotado de lixo...
Passaram por outra porta e atingiram nova escadaria que conduzia ao segundo
andar.
O prédio parecia abandonado!
Ao menos não haviam topado com soldados hostis... Mas ainda não sabiam
como poderiam enviar os textos aos seus jornais...
Subiram para o terceiro andar sabendo que se fossem
capturados por gendarmes teriam sérias complicações...
Como seriam tratados? Provavelmente teriam execução sumária, já que prédios
de correios sempre foram estratégicos para as nações agitadas por movimentos
sociais... Caso houvesse alguma repercussão internacional, provavelmente
argumentariam que “os três estrangeiros eram sabotadores”.
Percorreram várias salas até que encontraram aparelhos de telex e
transmissores... No mesmo momento apareceu um tipo “curvado e ressecado”, o
único funcionário presente... Kapuscinski o chamou de “irmão” e explicou que
deviam conseguir conexões com a Europa, pois tinham telegramas urgentes para
enviar...
Enquanto o rapaz trabalhava com os textos, os três seguiram para o
Taunus com a intenção de retornar ao hotel.
(...)
As ruas permaneciam desertas...
De repente um veículo
lotado de gendarmes apareceu e freou bem em frente ao Taunus...
Jarda manobrou com perícia
e escapou...
Mais uma vez os três
conseguiram se safar...
Brincando, Kapuscinski tenta explicar o episódio
afirmando que os gendarmes só podiam ter pensado que ficaram diante de uma
miragem... Assim puderam retornar ao hotel.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto