domingo, 20 de dezembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – fragmentos de depoimentos, periódicos e depoimentos a respeito do regime de segregação na República Sul-Africana e suas consequências – Primeira Parte

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/12/kapuscinski-non-fiction-de-artur.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski apresenta uma série de recortes – de depoimentos, legislação, periódicos e outros documentos – para nos fornecer um quadro amplo da República Sul-Africana (África do Sul) e do regime de apartheid imposto naquele país desde 1948. Os escritos de 1965 conseguem revelar um pouco da história dos colonizadores marcada por um “fundamentalismo cristão” (que notaremos em postagens posteriores) a serviço do ódio racial.
(...)
Primeira Parte de síntese dos recortes selecionados em A Guerra do Futebol:

* O ministro da Defesa da República Sul-Africana J. Fouche (não há datação) deixou clara a disposição do regime segregacionista de recorrer a todas as formas de resistência nos casos de ataques ao governo de minoria branca: “Nossos cavalos ficarão banhados de sangue”... Evidentemente ele se referia principalmente ao sangue que jorraria das feridas dos inimigos.
* O Ministério da Educação publicou um decreto (não há datação) que proibia a autópsia de cadáveres de brancos por estudantes que não tivessem pele clara... Negros só poderiam realizar esse tipo de estudo em necrotérios com cadáveres de “não-brancos”...
* Há um recorte de um depoimento de Sikave Mashiklehele, ativista contra o apartheid, que, quando prisioneiro em Krosdorpo (o autor cita o processo de trinta africanos nessa localidade sem elucidar a data), foi submetido a uma sessão de tortura física e psicológica. Mashiklehele esclarece que na ocasião o deitaram numa maca de aço e acionaram a eletricidade que lhe provocou contorções e convulsões; jogaram-lhe água gelada para que fosse despertado; dependuraram-no de ponta-cabeça e na sequência policiais chutaram-lhe a cabeça.
* Um fragmento do jornal Daily News (data não revelada) destaca a intolerância de zulus que não aceitavam que as africanas se maquiassem como as brancas... Várias foram agarradas por grupos que arrancavam o batom de seus lábios com lixas... Depois dessa violência, os tipos amarravam cartazes nas costas de suas vítimas com mensagem de humilhação: “queria ser parecida com uma mulher branca”.
* O jornal Die Burger (sem data) publicou carta de um leitor indignado com um filme exibido em sala da Universidade de Orange... Aconteceu que numa das cenas um personagem branco se aproximava de um negro e estendia-lhe a mão... O leitor esclarece que os estudantes se levantaram e, vaiando, deixaram o recinto... Sugeriu que a censura devia ser “mais atenta” e impedir que “cenas tão infames” fossem exibidas... Principalmente em instituição exclusivamente para brancos.
* O jornal Star (data não divulgada) publicou matéria sobre o balanço das condenações sentenciadas por tribunais da República Sul-Africana durante 1962... 348.497 africanos haviam sido condenados... Isso significa que a cada dia 1.054 negros estiveram nos bancos dos réus por dia... No acumulado de cinco anos, mais de um terço da população africana (cerca de quatro milhões) haviam sido julgados e condenados pelos tribunais.
* H. Papworth (candidato a uma cadeira no Parlamento britânico pelo Partido Trabalhista) explica que em Johannesburgo perguntou a um policial se ele tinha noção de que em breve colocariam tipos como ele pendurados em postes nas ruas... O tira imaginou que Papworth só podia estar delirando, então chamou uma ambulância para encaminhar o político a um manicômio.
* O assunto da conversa entre o correspondente da Cape Times (não datado) e o diretor da biblioteca pública da Cidade do Cabo era sobre o Index estabelecido pelo governo... Por causa da intolerância, as bibliotecas não recebiam determinados livros... E os exemplares de Hemingway, Caldwell, Tolstoi, Dostoievski, Falkner, entre outros, eram queimados assim que encontrados.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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