Kapuscinski apresenta uma série de recortes – de depoimentos, legislação, periódicos e outros documentos – para nos fornecer um quadro amplo da República Sul-Africana (África do Sul) e do regime de apartheid imposto naquele país desde 1948. Os escritos de 1965 conseguem revelar um pouco da história dos colonizadores marcada por um “fundamentalismo cristão” (que notaremos em postagens posteriores) a serviço do ódio racial.
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Primeira Parte de síntese dos recortes selecionados em A Guerra do Futebol:
* O ministro da Defesa da
República Sul-Africana J. Fouche (não há datação) deixou clara a disposição do
regime segregacionista de recorrer a todas as formas de resistência nos casos
de ataques ao governo de minoria branca: “Nossos cavalos ficarão banhados de
sangue”... Evidentemente ele se referia principalmente ao sangue que jorraria
das feridas dos inimigos.
* O Ministério da Educação publicou um decreto (não há
datação) que proibia a autópsia de cadáveres de brancos por estudantes que não
tivessem pele clara... Negros só poderiam realizar esse tipo de estudo em necrotérios
com cadáveres de “não-brancos”...
* Há um recorte de um depoimento de Sikave Mashiklehele, ativista contra
o apartheid, que, quando prisioneiro em Krosdorpo (o autor cita o processo de
trinta africanos nessa localidade sem elucidar a data), foi submetido a uma
sessão de tortura física e psicológica. Mashiklehele esclarece que na ocasião o
deitaram numa maca de aço e acionaram a eletricidade que lhe provocou
contorções e convulsões; jogaram-lhe água gelada para que fosse despertado;
dependuraram-no de ponta-cabeça e na sequência policiais chutaram-lhe a cabeça.
* Um fragmento do jornal Daily News (data não revelada) destaca a intolerância de zulus que
não aceitavam que as africanas se maquiassem como as brancas... Várias foram
agarradas por grupos que arrancavam o batom de seus lábios com lixas... Depois
dessa violência, os tipos amarravam cartazes nas costas de suas vítimas com
mensagem de humilhação: “queria ser parecida com uma mulher branca”.
* O jornal Die Burger (sem
data) publicou carta de um leitor indignado com um filme exibido em sala da
Universidade de Orange... Aconteceu que numa das cenas um personagem branco se
aproximava de um negro e estendia-lhe a mão... O leitor esclarece que os
estudantes se levantaram e, vaiando, deixaram o recinto... Sugeriu que a
censura devia ser “mais atenta” e impedir que “cenas tão infames” fossem
exibidas... Principalmente em instituição exclusivamente para brancos.
* O jornal Star (data não
divulgada) publicou matéria sobre o balanço das condenações sentenciadas por
tribunais da República Sul-Africana durante 1962... 348.497 africanos haviam
sido condenados... Isso significa que a cada dia 1.054 negros estiveram nos
bancos dos réus por dia... No acumulado de cinco anos, mais de um terço da
população africana (cerca de quatro milhões) haviam sido julgados e condenados
pelos tribunais.
* H. Papworth (candidato a uma cadeira no Parlamento britânico pelo
Partido Trabalhista) explica que em Johannesburgo perguntou a um policial se
ele tinha noção de que em breve colocariam tipos como ele pendurados em postes
nas ruas... O tira imaginou que Papworth só podia estar delirando, então chamou
uma ambulância para encaminhar o político a um manicômio.
* O assunto da conversa entre o correspondente
da Cape Times (não datado) e o
diretor da biblioteca pública da Cidade do Cabo era sobre o Index estabelecido pelo governo... Por
causa da intolerância, as bibliotecas não recebiam determinados livros... E os
exemplares de Hemingway, Caldwell, Tolstoi, Dostoievski, Falkner, entre outros,
eram queimados assim que encontrados.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto