Kapuscinski, Jarda e Duszan embarcaram num quadrimotor...
Estavam tão ansiosos para deixar Stanleyville para trás que nem fizeram caso da pouca identificação do aparelho... O local reservado aos passageiros foi ocupado pelos três.
O avião estava vazio e não havia como se comunicar com os pilotos, que permaneceram trancados na cabine.
Logo após a decolagem, os rapazes notaram que seu destino não era Juba, pois em vez de rumar para o nordeste, a aeronave seguiu para o sudoeste... Depois de uma hora puderam apreciar as paisagens montanhosas e verdejantes do Kivu (região de fronteira caracterizada pelo extenso lago)... Kapuscinski registra que o lugar é tão deslumbrante que parece ter saído de “um conto de fadas”.
(...)
O avião pousou em aeroporto bem próximo ao grande lago “que mais parecia
um mar”... O piloto o conduziu até um prédio em que se lia “Usumbura” (o nome
da cidade que atualmente se chama Bujumbura, a capital da República do
Burundi).
Estava claro que o destino que haviam escolhido para os
rapazes era também muito complicado, sobretudo porque a localidade era
controlada pelos belgas.
É difícil saber, mas pode
ser que H.B. (o comissário da ONU) tivesse entendido que o problema dos três em
Stanleyville fosse basicamente com os rumos ideológicos do governo local.
Kapuscinski explica que teve início um período de muito sofrimento para
ele e os amigos tchecos.
Seu suplício repercutiu internacionalmente... Ele mesmo relata que o que
padeceram em Usumbura foi reportado mais tarde pelo “Le Monde” e por outros veículos
internacionais.
(...)
Logo que chegaram foram recepcionados por paraquedistas belgas...
Sabemos algo sobre a fama desses soldados entre as populações locais que
os consideravam “tipos cruéis”... Todavia há que se destacar que no Burundi o
grupamento era formado por colonos, tipos muito mais violentos do que os que
chegavam da Bélgica. Eles eram “rapinantes, brutais e primitivos”.
Um suboficial nem quis
saber que se apresentavam como jornalistas... Exigiu os vistos dos
recém-chegados... Evidentemente eles não possuíam. Então passou a tratá-los
como “agentes de Lumumba”.
Foram minuciosamente
revistados e tiveram todos os seus pertences (que naturalmente eram bem poucos),
documentos e dinheiro subtraídos... Logo de início sofreram várias agressões
físicas, e isso fazia parte do processo que se desenrolaria na sequência...
Eles foram levados
para uma sala num distante ponto de uma das duas alas do prédio, onde foram
trancafiados... Encarregaram um dos paraquedistas para fazer a vez de guarda.
(...)
Pelo visto aquele local havia sido depósito de cadeiras de metal.
Os rapazes tentaram juntar
algumas delas para improvisar camas, mas esse expediente não deu muito certo
porque ao se deitarem elas se afastavam e a queda era bem dolorosa.
Essa não era a primeira vez na vida que Kapuscinski caía
prisioneiro... Sem entrar em maiores detalhes, ele conta que havia sido preso
em Kabul alguns anos antes.
O polonês destaca algumas reflexões inevitáveis a todo aquele que se vê apartado
da liberdade... No seu caso específico (essa era também a situação de Jarda e
Duszan) surge a dúvida a respeito do local em si... É claro que ninguém deseja
o cárcere... Todavia pode-se desejar que ele seja o menos torturante
possível... Tornar-se prisioneiro em terras distantes de seu país é muito pior
do que ser preso nas proximidades dos parentes, que podem visitá-lo, entregar
encomendas e até fazer uma campanha por sua libertação...
Infelizmente para eles, em Usumbura, as perspectivas
eram trágicas...
Os paraquedistas abusavam da violência...
Isolados como estavam, podiam esperar pelo pior... Podiam ser
assassinados e eliminados no meio do lago...
Ninguém saberia do paradeiro “dos três
jornalistas que sumiram de Stanleyville”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto