Última Parte.
*Os nomes que estão entre parênteses na síntese que segue se referem às cidades/distritos representados pelos parlamentares citados.
Lady Chesman (Iringa) havia defendido que a lei de perfilhação traria algum alento às crianças consideradas “ilegítimas”... Seus pais biológicos passariam a dever-lhes pensão! O governo não precisaria mais investir tanto dinheiro em orfanatos, e assim teria condições de combater os seus “principais inimigos”: ignorância, pobreza e doenças...
(...)
O debate prosseguiu...
Para A. S. Mtaki (Mpwawa), o projeto agravaria ainda mais os problemas
sociais do país... Segundo ele, os assassinatos aumentariam porque tudo levava
a crer que os intimados a pagar pelos “filhos ilegítimos” seriam tentados a
eliminá-los... Além disso, os homens (casados ou solteiros) passariam a se
aventurar na sedução às mulheres casadas... Com o aumento dos casos de
infidelidade conjugal, cresceriam também o número de divórcios... Para
justificar a sua opinião, o deputado acrescentou que os maridos que fossem
intimados pela lei teriam seus segredos revelados e isso provocaria os
desentendimentos com suas esposas.
Mtaki ressaltou ao final de sua fala que Karl Marx e
outros mais “entendidos na matéria” ensinam que “a prostituição é capitalismo”.
R. Kawawa, que além de deputado era vice-presidente de Tanganica (o
presidente era Julius Nyerere, que governou desde a independência até 1985),
manifestou sua discordância em relação às palavras dos opositores... Ele não
acreditava que o projeto resultasse em aumento da prostituição, explicou também
que o governo desenvolvia o “Projeto Antiprostituição”... Acrescentou não ser
favorável à ideia de ensinar métodos para evitar a gravidez porque entendia que
este “ponto de vista” fora “trazido de fora” e simplesmente não era de acordo
com o modo de ser das sociedades africanas...
Em sua opinião, ao ensinarem as mulheres a evitarem a gravidez, estariam
instigando “práticas imorais”.
Bibi Mohammed (Rufiji), deputada que também liderava a Divisão Feminina
do TANU (Tanganyika African National Union, partido do governo, que havia
liderado o processo de independência) defendeu o projeto... Ela argumentou que,
em algumas tribos, os pais tinham o hábito de trancafiar suas filhas assim que
elas chegavam à maturidade sexual... Agiam dessa forma porque queriam evitar a
todo custo que elas engravidassem, mas quase sempre isso se revelava ineficaz
porque depois de algum tempo as famílias se surpreendiam ao descobrirem que
estavam grávidas...
Em tom de acusação, a deputada salientou que “os homens são como ratos”
que conseguem invadir as casas... Eles “nunca estão satisfeitos” e mesmo depois
de ”conquistar sessenta mulheres” continuam sua busca por mais uma.
Bibi Mohammed apelou aos deputados para que usassem de bom senso... E
não era porque os homens eram a maioria no país que eles se podiam se colocar
contra o projeto que beneficiaria a todos... Alguém ali teria a consciência
limpa? A deputada perguntou isso e garantiu que muitas mulheres viajavam de
longe para denunciar (pessoalmente a ela) que haviam engravidado de relações
que tiveram com membros daquele parlamento... E diziam abertamente que era
“este ou aquele deputado”!
A parlamentar disse na
tribuna que havia prometido às mulheres que revelaria os nomes dos deputados...
Mas neste ponto J. Namfua, que também era vice-ministro de Comércio e Indústria,
a interrompeu pedindo que “medisse suas palavras ou que se calasse”...
De acordo com Namfua, Bibi
Mohammed não podia se “afastar do assunto”... Ela respondeu que achava mesmo
melhor interromper o seu discurso porque via que a preocupação “estampava o
rosto de muitos deputados”... Todavia acrescentou que muitas jovens morriam na
tentativa de interromper a gravidez indesejada... Encerrou dizendo que o
projeto poderia salvar muitas vidas...
M. S. Madenge
(Tabora) se pronunciou favorável ao projeto desde que a lei se limitasse às
jovens estudantes... Garantiu que votaria contra se as “meninas das ruas”
fossem beneficiadas pela lei... Também H. S. Sarwatt (Mbulu) falou contra a
consequente “queda da moralidade das mulheres”, algo que o projeto provocaria.
Para o deputado M. S.
Haule (Kondoa), o projeto violava a “ordem da natureza”... Ele citou dados de
um senso para mostrar que o número de mulheres era bem superior ao de homens
(cinco milhões e meio para quatro milhões)... Aquilo só podia ser “obra do
próprio Deus”, que certamente permitia que os homens tivessem mais do que uma
mulher.
(...)
Você deve estar se perguntando a respeito do resultado da votação...
O projeto foi rejeitado por
95% dos membros do parlamento.
Kapuscinski deixa claro que
os “membros do partido oficial do governo” ocupavam todas as cadeiras... O
comum era a aprovação unânime, como sempre ocorria com todos os projetos
apresentados pela equipe de Nyerere...
Não foi o que ocorreu naquela oportunidade... O
governo cedeu e foi criada uma comissão composta por cinco membros para
“aprofundar os estudos sobre o projeto de perfilhação”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto