quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – debate sobre a Lei de Perfilhação no Parlamento da Tanganica em dezembro de 1963 – Última Parte

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/12/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_15.html antes de ler esta postagem:

Última Parte.
                                                           *Os nomes que estão entre parênteses na síntese que segue se referem às cidades/distritos representados pelos parlamentares citados.

Lady Chesman (Iringa) havia defendido que a lei de perfilhação traria algum alento às crianças consideradas “ilegítimas”... Seus pais biológicos passariam a dever-lhes pensão! O governo não precisaria mais investir tanto dinheiro em orfanatos, e assim teria condições de combater os seus “principais inimigos”: ignorância, pobreza e doenças...
(...)
O debate prosseguiu...
Para A. S. Mtaki (Mpwawa), o projeto agravaria ainda mais os problemas sociais do país... Segundo ele, os assassinatos aumentariam porque tudo levava a crer que os intimados a pagar pelos “filhos ilegítimos” seriam tentados a eliminá-los... Além disso, os homens (casados ou solteiros) passariam a se aventurar na sedução às mulheres casadas... Com o aumento dos casos de infidelidade conjugal, cresceriam também o número de divórcios... Para justificar a sua opinião, o deputado acrescentou que os maridos que fossem intimados pela lei teriam seus segredos revelados e isso provocaria os desentendimentos com suas esposas.
Mtaki ressaltou ao final de sua fala que Karl Marx e outros mais “entendidos na matéria” ensinam que “a prostituição é capitalismo”.
R. Kawawa, que além de deputado era vice-presidente de Tanganica (o presidente era Julius Nyerere, que governou desde a independência até 1985), manifestou sua discordância em relação às palavras dos opositores... Ele não acreditava que o projeto resultasse em aumento da prostituição, explicou também que o governo desenvolvia o “Projeto Antiprostituição”... Acrescentou não ser favorável à ideia de ensinar métodos para evitar a gravidez porque entendia que este “ponto de vista” fora “trazido de fora” e simplesmente não era de acordo com o modo de ser das sociedades africanas...  Em sua opinião, ao ensinarem as mulheres a evitarem a gravidez, estariam instigando “práticas imorais”.
Bibi Mohammed (Rufiji), deputada que também liderava a Divisão Feminina do TANU (Tanganyika African National Union, partido do governo, que havia liderado o processo de independência) defendeu o projeto... Ela argumentou que, em algumas tribos, os pais tinham o hábito de trancafiar suas filhas assim que elas chegavam à maturidade sexual... Agiam dessa forma porque queriam evitar a todo custo que elas engravidassem, mas quase sempre isso se revelava ineficaz porque depois de algum tempo as famílias se surpreendiam ao descobrirem que estavam grávidas...
Em tom de acusação, a deputada salientou que “os homens são como ratos” que conseguem invadir as casas... Eles “nunca estão satisfeitos” e mesmo depois de ”conquistar sessenta mulheres” continuam sua busca por mais uma.
Bibi Mohammed apelou aos deputados para que usassem de bom senso... E não era porque os homens eram a maioria no país que eles se podiam se colocar contra o projeto que beneficiaria a todos... Alguém ali teria a consciência limpa? A deputada perguntou isso e garantiu que muitas mulheres viajavam de longe para denunciar (pessoalmente a ela) que haviam engravidado de relações que tiveram com membros daquele parlamento... E diziam abertamente que era “este ou aquele deputado”!
A parlamentar disse na tribuna que havia prometido às mulheres que revelaria os nomes dos deputados... Mas neste ponto J. Namfua, que também era vice-ministro de Comércio e Indústria, a interrompeu pedindo que “medisse suas palavras ou que se calasse”...
De acordo com Namfua, Bibi Mohammed não podia se “afastar do assunto”... Ela respondeu que achava mesmo melhor interromper o seu discurso porque via que a preocupação “estampava o rosto de muitos deputados”... Todavia acrescentou que muitas jovens morriam na tentativa de interromper a gravidez indesejada... Encerrou dizendo que o projeto poderia salvar muitas vidas...
M. S. Madenge (Tabora) se pronunciou favorável ao projeto desde que a lei se limitasse às jovens estudantes... Garantiu que votaria contra se as “meninas das ruas” fossem beneficiadas pela lei... Também H. S. Sarwatt (Mbulu) falou contra a consequente “queda da moralidade das mulheres”, algo que o projeto provocaria.
Para o deputado M. S. Haule (Kondoa), o projeto violava a “ordem da natureza”... Ele citou dados de um senso para mostrar que o número de mulheres era bem superior ao de homens (cinco milhões e meio para quatro milhões)... Aquilo só podia ser “obra do próprio Deus”, que certamente permitia que os homens tivessem mais do que uma mulher.
(...)
Você deve estar se perguntando a respeito do resultado da votação...
O projeto foi rejeitado por 95% dos membros do parlamento.
Kapuscinski deixa claro que os “membros do partido oficial do governo” ocupavam todas as cadeiras... O comum era a aprovação unânime, como sempre ocorria com todos os projetos apresentados pela equipe de Nyerere...
Não foi o que ocorreu naquela oportunidade... O governo cedeu e foi criada uma comissão composta por cinco membros para “aprofundar os estudos sobre o projeto de perfilhação”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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