domingo, 27 de dezembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – as guerras dos boers contra os ingleses; de campos de concentração, tratado de Vereeniging e formalização da União Sul-Africana; sobre a união do nacionalismo africânder à expansão imperialista britânica; fragmentos de Leo Marquand (década de 1950)

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/12/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_26.html antes de ler esta postagem:

O domínio britânico se estabeleceu na primeira metade do século XIX... Os ingleses nomearam um governador, instalaram uma administração, criaram impostos, lavraram decretos e impuseram o inglês como língua oficial...
Para os fazendeiros africânderes tudo isso foi como que se os conquistadores apertassem uma corda em seus pescoços... Mas a “gota d’água” foi mesmo a abolição da escravidão... Por causa dela teve início o Great Trek, que marcou sua retirada em massa para áreas mais afastadas da cidade do Cabo...
Kapuscinski esclarece que eles se consideravam “escolhidos de Deus”, e que Ele os havia predestinado a conquistar toda a África do Sul, sua “nova pátria”... Então era como se estivessem numa cruzada para “libertar a Terra Santa da barbárie dos negros”... Estavam convictos de que partiam para a “Terra Prometida”...
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Embora se pudesse alegar que a grande marcha africânder tivesse motivações religiosas, sabe-se que ela provocou situações semelhantes aos dos movimentos campesinos medievais (que resultaram em violentos ataques em nome de pretensa religiosidade)...
Os africânderes provocaram saques, assassinaram dezenas de milhares de africanos, queimaram povoados e roubaram rebanhos... Natal (tomada pelos ingleses em 1842, um ano depois da fundação), e também o Transvaal e o Orange, são resultados de seus avanços. Muitos deles atingiram terras de Moçambique e do que seria atualmente o Zimbabwe... 
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Durante algum tempo os procedimentos africânderes nas Repúblicas do Transvaal e do Orange não despertaram nenhuma ação concreta dos ingleses... Porém a descoberta de ouro no Transvaal na década de 1880 (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/12/contribuicao-para-um-entendimento-da.html) alterou completamente esse quadro...
Logo no primeiro ano (1880-81) ocorreu o que se chama de “Primeira Guerra dos Boers”, marcada por pressões diplomáticas dos britânicos, que resultou em favorável à autonomia das referidas repúblicas africânderes.
Porém ocorreu que a grande quantidade do metal precioso atraiu exploradores do mundo inteiro... Os ingleses quiseram fazer valer sua supremacia e impor aos fazendeiros africânderes o seu “direito exclusivo” na exploração... Os “boeren” se espantaram com a movimentação gerada pelo afluxo de estrangeiros e também com a instalação dos modernos equipamentos.
Aquilo não podia mesmo acabar bem... Os africânderes começaram a impedir o transporte ferroviário e o abastecimento das minas... Além disso, proibiram os ingleses de circularem armados na república. Instalações, acampamentos e povoados britânicos sofreram ataques.
O conflito que se estendeu de 1899 a 1902 é conhecido como “Segunda Guerra dos Boers”. Ele foi marcado pela destruição de fazendas, que foram transformadas em campos de concentração onde os ingleses aprisionavam principalmente as mulheres africânderes e seus filhos... Kapuscinski registra que “cerca de vinte e seis mil” morreram de fome ou epidemias...
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Os africânderes, que recebiam armamentos alemães, classificaram a guerra como “escandalosa” porque ela colocara “brancos exterminando brancos” sob os olhares de negros.
Em A Guerra do Futebol lemos que a vitória britânica, apesar de formal, “não foi real” e pode-se dizer que impôs um compromisso ao império que, pelo Tratado de Vereeniging, teve de pagar indenizações para os africânderes reconstruírem suas fazendas comunitárias...
As atrocidades dos campos de concentração jamais foram esquecidas e os africânderes sempre fizeram questão de relembrá-las aos ingleses.
Quando a União Sul-Africana (já prevista pelo tratado de Vereeniging) foi criada em 1910, Louis Botha (general africânder) foi escolhido para exercer o cargo de Primeiro-Ministro... Seu governo era composto de seis compatriotas e de quatro ingleses... Para Kapuscinski, que escreveu sobre essas considerações em 1965, o governo sul-africano foi resultado dessa união de compromissos entre o nacionalismo africânder e “a expansão econômica do imenso capital britânico”.
Ele selecionou significativos fragmentos de Leo Marquand (autor de “Story of South Africa”, publicado durante a década de 1950) que justificam suas opiniões destacadas no parágrafo anterior:

                                                           A descoberta dos diamantes em Kimberley, em 1870 (...) mudou o curso da história do país. Pessoas e dinheiro afluíram para lá como um rio caudaloso. Aos poucos, homens como Cecil Rhodes e Barney Barnato assumiram o controle da exploração de diamantes e construíram fortunas fenomenais, que permitiram, mais tarde, o desenvolvimento da mineração do ouro do Transvaal e a expansão do império britânico para o norte.

Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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