Final de 1963...
A discussão que ocorreu após as palavras da deputada Lucy Lamek foi tão intensa que o Tanganyika Standard publicou que o episódio marcou um abalo na “tradicional dignidade do Parlamento”...
Não foi por acaso que Kapuscinski reservou algumas páginas de seu livro à repercussão jornalística... O debate ocorrido no Parlamento foi revelador... A discussão escancarou a “questão social” propriamente dita...
E devemos acrescentar que ao mesmo tempo em que as palavras dos legisladores, de um modo geral, definiram suas posições contrárias ao projeto (que determinava o pagamento de pensão às mulheres sexualmente abusadas e com “filhos ilegítimos”), escancararam o seu conservadorismo.
(...)
Primeira Parte.
*Os
nomes que estão entre parênteses na síntese que segue se referem às
cidades/distritos representados pelos parlamentares citados.
Para o deputado P. Mbogo (Mpanda), o projeto geraria o aumento da prostituição
no país... Com o dinheiro recebido, as mulheres procurariam comprar mais produtos
de beleza... Esse seria o resultado da lei... De acordo com o seu raciocínio, o
problema que ela pretendia combater seria agravado por este procedimento
feminino... Disso resultaria que o país teria de se preparar para investir ainda
mais se quisesse se livrar do subdesenvolvimento.
O deputado B. Akindu (Kigoma) manifestou que o projeto traria muitos
problemas para os mais ricos... E destacou que os que pertenciam ao Parlamento
certamente se prejudicariam, pois seriam acusados por “mocinhas mentirosas” que
apareceriam para incriminar deputados e ministros... Ele mesmo admitiu que (entre
os altos funcionários) havia o costume de oferecerem caronas às garotas que
caminhavam por estradas e ruas... Destacou que não era nem um pouco difícil reconhecer
um automóvel oficial, já que todos possuíam placas com as letras TD (não era
por acaso que aqueles tipos eram popularmente chamados de “TD-men”)...
Este Akindu atribuía às jovens toda culpa pelos dados alarmantes
apresentados pela deputada Lamek... Ele disse que as moças de Tanganica deviam
controlar os “desejos carnais” e se casarem o mais rápido possível.
Já o deputado R. S. Wambura (Maswa) considerou que o projeto era
simplesmente desnecessário... Ele defendeu que a tradição africana não
distinguia crianças “legítimas” de “ilegítimas”, pois todas eram tratadas da
mesma forma... Criticou o fato de, em sua opinião, a lei proporcionar dinheiro
às mulheres que se dedicavam aos “folguedos”... Ressaltou ainda que ficaria
difícil definir o pai de crianças cujas mães haviam se relacionado com muitos
homens... Para finalizar, questionou sobre a dificuldade que os desempregados
teriam para cumprir com as obrigações impostas pela lei.
A. S. Fundikira (Tabora),
que era líder dos parlamentares concordou com Wambura ao afirmar que os “filhos
ilegítimos” não significavam problema para as famílias africanas, pois eles
representavam mais braços para o trabalho nos campos...
O Xeque Armii Abedi, que
era ministro da Justiça fez a defesa do projeto do governo... Ele argumentou
que todo homem tem a capacidade de se relacionar com as mulheres sem
engravidá-las... De acordo com suas palavras, a “perfilhação” devia ser
assumida também por aqueles que estivessem desempregados. E justificou que, se
não fosse assim, eles poderiam pensar que o governo os autorizava a “produzir
crianças às dúzias”.
As palavras do
ministro provocaram risos e aplausos na audiência depois que ele emendou que o “trabalho
dos desempregados seria produzir crianças”.
F. Mfundo (Hendeni) criticou o projeto porque o considerou “produto do
colonialismo”... Justificou que “as tradicionais leis da África não faziam
distinção entre filhos legítimos e ilegítimos”... Essa diferenciação ocorreu ao
tempo da colonização europeia, e a mentalidade de então estava pautando a
proposta da lei... Além disso, em sua opinião, a lei favorecia as “crianças
ilegítimas” porque para as “legítimas” não havia nenhuma previsão de pagamento.
Essa ideia foi contestada pela deputada Lady
Chesman (Iringa), que defendeu que o projeto era louvável (também) porque a sua
aplicação permitiria ao governo o investimento no combate aos seus “principais
inimigos”: ignorância, pobreza e doenças...
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto