Kapuscinski apresenta uma série de recortes – de depoimentos, legislação, periódicos e outros documentos – para nos fornecer um quadro amplo da República Sul-Africana (África do Sul) e do regime de apartheid imposto naquele país desde 1948. Os escritos de 1965 conseguem revelar um pouco da história dos colonizadores marcada por um “fundamentalismo cristão” (que notaremos em postagens posteriores) a serviço do ódio racial.
(...)
Segunda Parte de síntese dos recortes selecionados em A Guerra do Futebol:
* O jornal Rand Daily Mail (sem data) repercutiu o
caso de um jovem de vinte anos (referido apenas como D. B.) que durante dois
anos enfrentou processo na Corte Suprema para provar que, de fato, era branco
(e não colored como o Departamento
dos Documentos de Identificação o classificara erroneamente)... Em entrevista,
o moço confirmara que havia passado por terrível pesadelo, “no limite entre a
vida e a morte”.
* O jornal Star publicou parte do depoimento de um
assistente da Universidade Witwatersrand, em Johannesburgo... A instituição
havia organizado uma exposição sobre o Gueto de Varsóvia, mas as instalações
foram depredadas por jovens que invadiram a localidade com baldes de tinta...
Fotografias que denunciavam atrocidades praticadas por nazistas foram rasgadas.
Suásticas foram pintadas nas paredes.
* O depoimento de um industrial demonstrava que o Ocidente não tinha o
menor interesse de ver a República Sul-Africana mergulhada em crise decorrente dos
gastos com a Segunda Guerra... Mais de um bilhão de dólares em ouro eram
extraídos das minas do país (dados de 1963)... O valor da libra esterlina
baseava-se naquela exploração...
* O depoimento de John de Lange revela o seu drama e
os motivos que o levaram a uma condenação a três anos de prisão (não há
especificação de data)... Ele casou-se e viveu por vinte e cinco anos com uma
negra... Tiveram filhos e netos... Jamais imaginou que estivesse praticando
algum crime.
* O Partido Nacional em Orange apresentara declaração (sem data) em que
afirmava sua disposição de enfrentar os negros que ousassem protestar contra o
apartheid... “Se eles erguessem a cabeça”, os brancos levantariam os “punhos de
aço”... O fato de estarem muito bem armados era suficiente para compensar sua
inferioridade numérica (a relação era de quatro negros para cada branco)... De
tal forma seriam sufocados que o regime teria de “importar negros do
estrangeiro” para suprir a falta de mão-de-obra.
* O Relatório da Câmara de Comércio de Pretória apontava que a República
Sul-Africana estava entre os cinco países do mundo com “melhor qualidade de
vida”... Evidentemente o documento de 1963 só levava em conta a condição da
minoria branca do país.
* O depoimento do Reverendo W. T. Ross Flemington lamenta o fato de a
República Sul-Africana ter lhe passado a mesma impressão da Alemanha dos anos
anteriores à Segunda Guerra Mundial... O Doutor canadense esclarece que a
“sensação de medo e as incertezas” dominava a todos... Também na Alemanha, onde
estivera em 1936, ele havia conhecido o impacto das prisões arbitrárias “a
qualquer hora do dia”... O que podia esperar daquele país do extremo sul da
África? O prognóstico era dos piores... Era bem provável que ainda assistiriam
o extermínio em massa e num “tempo recorde”.* Maxwell Marwick, “um dos criadores da
Antropologia Social”, esclareceu que não pôde permanecer na República
Sul-Africana porque ali forjaram um Estado que desrespeitava os mais “básicos
direitos humanos”... O desprezo e a violação dos “valores mais elementares” ali
praticados o levavam ao repúdio.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/12/contribuicao-para-um-entendimento-da.html
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto