Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/09/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_26.html antes de ler esta postagem:
Ziannuto, o filho de Menocchio, continuou
buscando alternativas para livrá-lo dos problemas com o Santo Ofício. O moço
procurou Trappola, um advogado de Portogruaro. Além disso, dirigiu-se a
Serravalle para falar pessoalmente com o inquisidor. Em Montereale conseguiu uma
declaração da prefeitura sobre seus bons antecedentes... O documento dava conta
de que as autoridades receberiam, caso desejassem, comprovações sobre a “vida
exemplar” de Menocchio em Montereale (confessava e comungava todo ano; havia
sido magistrado e administrador de cinco vilas; fora administrador da paróquia
de Montereale e coletor de dízimos...).
Ziannuto considerava o
pároco de Montereale o delator de Menocchio... Com os irmãos, pressionou-o a
redigir uma carta ao prisioneiro com as orientações para que pudesse se livrar do
transtorno que enfrentava... A carta indicava a Menocchio a necessidade de prometer
“obediência à Santa Igreja”, além de aceitar que não acreditava nas coisas que
andava falando... Devia deixar claro que viveria de acordo com os mandamentos
da Igreja... Que perderia a vida pelo amor de Deus e da Igreja, pois “devia a
vida e tudo o que há de bom à Santa Mãe Igreja”.
Menocchio pensou que a
carta e seu conteúdo fossem de Domenego Femenussa, um mercador de lã que o
socorria com eventuais empréstimos. Ginszburg registra que ao fim do primeiro
interrogatório, o moleiro disse ao vigário-geral que não confirmava ou
desmentia o que dissera, e nem sabia se proferia as palavras por inspiração de Deus ou do demônio...
Pedia misericórdia e dizia que faria o que lhe ensinassem... Quer dizer, queria
ser perdoado, mas não renegava.
Os interrogatórios dos dias 7, 16, 22 de fevereiro, e de 8 de março de
1584 foram longos e, diante do vigário Maro, Menocchio manteve-se firme. Foram
apresentadas denúncias sobre a sua incredulidade em relação ao papa e à
doutrina da Igreja... O moleiro respondeu que Deus poderia matá-lo se aquilo
fosse verdade... Dos depoimentos de Guiliano Stefanut, extraiu-se que Menocchio
desprezava as missas aos mortos... Em relação a isso, ele tinha a dizer que as
pessoas deviam fazer o bem enquanto vivas porque, depois da morte, Deus decidia
tudo em relação às almas. Disse ainda
que orações e esmolas em honra dos mortos eram devidas mais por causa do amor
que se tem a Deus, que afinal é Quem decide receber as obras “em benefício dos
vivos ou mortos”. Ginzburg alerta que essa defesa de Menocchio o complicava
porque contrariava os ensinamentos católicos sobre o Purgatório... Mas ele não
conseguia se controlar e falava o máximo que podia em defesa própria, sem se
importar com os conselhos para “falar pouco”.
Ao final do mês de abril,
Menocchio foi levado ao palácio do magistrado em Portogruaro... Ali deveria
confirmar os depoimentos prestados até então... É que os casos investigados e
julgados pelo Santo Ofício deviam contar com a presença de um magistrado
secular (não religioso), pois essa era uma norma da República Veneziana...
Assim, o frei Felice da Montefalco (inquisidor de Aquileia e Concordia)
permitiu a oitiva (Ginzburg explica que o conflito entre as autoridades
eclesiásticas e seculares era antigo na região)... Pode ser que, por essa
ocasião, Trappola (o advogado) tenha tido algum acesso para defender o acusado.
As
autoridades sabiam, por depoimento de Francesco Fasseta, que Menocchio estava
disposto a "falar muito" se não sofresse nenhum tipo de ameaça... Falaria sobre
suas ideias ao papa ou a qualquer rei e, se depois de tudo o matassem, morreria
satisfeito. Ginzburg registra que ele foi perguntado sobre isso. Ele confirmou.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto