quarta-feira, 26 de setembro de 2012

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – a cosmogonia de Menocchio

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/09/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html antes de ler esta postagem:

Menocchio falou... Poderia falar o mínimo possível, mas não se conteve...
Sobre suas dúvidas em relação à virgindade de Maria, disse que não forçou ninguém a acreditar em suas palavras... Como alguém que mostra que procurou ensinar aos outros, tal qual professor de doutrina e comportamento, o moleiro disse que convencia as pessoas tentarem fazer o bem e seguir o que a Santa Madre Igreja ordena... Explicou que essas palavras eram ditas quando perguntava às pessoas se queriam que ele ensinasse a “verdadeira estrada”... Sobre as heresias, Menocchio disse que eram palavras que surgiam-lhe como tentações do maligno, que o instigava a dizê-las aos demais...
Ele ainda falou sobre a sua cosmogonia, da qual muita gente (inclusive do Santo Ofício) já ouvira comentários... Explicou aos interrogadores que no início tudo era um caos (terra, ar, fogo e água estavam agrupados), havia um só volume em constante movimento... E se tornou massa... Então ele passou a explicar com o exemplo do queijo que “é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos”... Numa complicada fórmula, Menocchio procurou justificar que do caos surgiram os anjos e de entre eles, Deus... Este havia sido criado daquela massa, e se tornou um senhor de quatro capitães (que também surgiram do caos): Lúcifer, Miguel, Gabriel e Rafael... Seguiu explicando que da insubordinação de Lúcifer, querendo fazer-se senhor e equiparando-se “ao rei”, ocorreu sua expulsão do céu... E Lúcifer partiu com seguidores em sua companhia. Na sequência, Menocchio falou ainda que Deus criou Adão, Eva e grande quantidade de pessoas para que ocupassem os lugares desocupados devido à expulsão de Lúcifer e sua legião... Esse povo todo (ainda segundo o moleiro) era desobediente em relação aos mandamentos de Deus, que mandou seu filho... Jesus, então, “foi preso e crucificado pelos judeus”.
Pesava sobre Menocchio, ainda, a acusação acerca do que dizia sobre Jesus... Os depoimentos denunciavam que, para ele, Jesus deixara-se abater “como um animal”... Em seu depoimento negou essas afirmações... Mas logo depois concordou que talvez tivesse dito qualquer coisa semelhante... Talvez para melhorar sua condição, Menocchio emendou que havia dito, sim, que Jesus se deixara crucificar, e que Ele era um dos filhos de Deus (porque somos todos filhos de Deus e da mesma “natureza” do crucificado)... Jesus seria, então, um humano como todos nós... “Mas com dignidade maior”... Neste ponto completou que essa "dignidade maior" seria como a do papa... Menocchio, como que concluindo, disse que em sua opinião “o crucificado teria nascido de São José e da Virgem Maria”...
Como havia muitos relatos sobre o acusado, e todos eles bem estranhos e complicadores para o moleiro, o vigário-geral decidiu saber do próprio Menocchio se ele falava sério ou se brincava, e se não possuía problemas mentais... Menocchio garantiu que “não estava louco” e que falava sério...
Ziannuto, filho de Menocchio, espalhou que o pai possuía problemas mentais (isso teria sido sugestão de alguns amigos do moleiro, como Sebastiano Sebenico e um tipo de nome Lunardo)... A ideia era provocar descrédito a tudo o que ouviram de Menocchio, principalmente sua cosmogonia... O vigário-geral não levou em consideração tais boatos principalmente porque ouviu depoimento em contrário do próprio acusado... Ginzburg afirma que se ocorresse 100 ou 150 anos mais tarde, o caso de Menocchio passaria como típico daqueles que sofrem de “delírio religioso” e seria internado num hospício. Mas o momento era outro... A Contra Reforma reprimia as heresias...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/09/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_28.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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