domingo, 23 de setembro de 2012

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – depoimentos contra Menocchio; blasfêmias e prisão

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/09/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_21.html antes de ler esta postagem:

Os depoimentos dos que participaram do processo contra Menocchio revelavam sempre uma desaprovação das testemunhas quando se falava das conversas com o acusado e das ideias por ele defendidas... Alguns, como Domenico Melchiori e Giuliano Stefanut, faziam questão de mostrar ao vigário geral que se indignavam com o moleiro, a quem teriam dito “Menocchio, pelo amor de Deus não vai falando essas coisas por aí!”... Stefanut falou sobre a ocasião em que, indo para Grizzo, disse a Menocchio que gostava dele, mas que não aceitava suas opiniões em relação à fé e religião. Salientou, inclusive, que se morresse por “cem vezes e depois voltasse a viver” continuaria a morrer pela fé.
Os autos do processo mostram que o padre Andrea Bionima já advertira o moleiro sobre as coisas que dizia e que um dia se arrependeria... Giovanni Povoledo, outra testemunha, criticou Menocchio e suas opiniões em relação à “seita de Lutero”... Ginzburg mostra que todas as testemunhas conheciam o moleiro há muitos anos (de vinte a quarenta anos)... Daniele Fasseta, por exemplo, revelou conhecê-lo desde criança... De um modo geral, a opinião das testemunhas é de desaprovação em relação às ideias e comportamentos de Menocchio... Não se pode dizer que o condenavam veementemente... Devemos questionar por que em tantos anos de convivência nunca fizeram nenhuma denúncia contra ele...
Há que se ressaltar (mais uma vez) que, perante a autoridade, além de prestarem esclarecimentos exigidos, as testemunhas procuravam deixar claro que eram pessoas idôneas e de fé incontestável... É certo que alguns, como Francesco Fasseta e Bartolomeo de Andrea (este era primo da mulher de Menocchio), afirmaram que o acusado era “homem de bem”... O próprio Stefanut que afirmou que “morreria pela fé” disse também que gostava dele... Outra testemunha revelou que o via conversar com muita gente e bem podia ser “amigo de todo mundo”.
Para os filhos de Menocchio, dom Odorico Vorai, pároco de Montereale, teria sido o delator anônimo... Ginzburg mostra que, pelo menos, havia certo desentendimento entre os dois, já que o moleiro se confessava em outra cidade... O testemunho de Vorai revelou que não podia se lembrar do que o acusado disse (argumentou que sua memória falhava)... No entanto, o vigário geral do Santo Ofício tinha como fundamentação “evidências circunstanciais” para interrogar as testemunhas. Vorai teria sido instigado à denúncia por dom Ottavio Montereale (religioso de família tradicional do lugar)... Os padres eram mesmo um dos alvos prediletos de Menocchio, que não acreditava nem no papa, nem em nenhuma outra autoridade eclesiástica.
Menocchio blasfemava... Dizia que devia guardar temor apenas em relação a Deus, pois não havia importância nenhuma em blasfemar contra os santos... Sustentava que cada um faz bem o seu papel no mundo, e o dele era blasfemar... Seguia espalhando sua “teologia” afirmando que “O céu é Deus (...) a terra, nossa mãe”; “tudo o que se vê é Deus e nós somos deuses”; “O céu, a terra, o mar, o ar, o abismo e o inferno, tudo é Deus”... E falava ainda sobre sua interpretação sobre a impossibilidade de Jesus ter nascido de uma virgem, podendo mesmo Jesus ter “sido um homem qualquer de bem, ou filho de algum homem de bem” (fragmentos da página 44).
Menocchio dizia possuir a Bíblia em vulgar e outros livros proibidos... Os testemunhos apontavam que ele sempre discutia com os outros e que seus argumentos seriam provavelmente retirados da Bíblia em vulgar.
Como os testemunhos se acumulavam, Menocchio achou por bem ir a Polcenigo tratar com um amigo de infância, o vigário Giovanni Daniele Melchiori. Este o aconselhou a apresentar-se espontaneamente ao Santo Ofício e a obedecer qualquer ordem que recebesse... Avisou que ele deveria comportar-se com retidão e responder apenas o que lhe perguntassem, sem falar demais ou dar opiniões particulares... Também Alessandro Policreto (ex-advogado de Menocchio) aconselhou-o a apresentar-se às autoridades e a admitir sua culpa, declarando que não acreditava naquelas coisas heréticas que andava falando.
Menocchio partiu para Maniago devido à convocação do Tribunal Eclesiástico... O frade Felice da Montefalco, um franciscano, ordenou sua prisão a 4 de fevereiro de 1584. O moleiro seguiu algemado para Concordia, onde permaneceria detido pelo Santo Ofício... Três dias depois teve início seu primeiro interrogatório.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/09/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_26.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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