sexta-feira, 21 de setembro de 2012

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – quem era Menocchio? Que tipo de acusação pesava sobre ele?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/09/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:

Quem foi Menocchio?
Ginzburg debruçou-se sobre os papéis dos inquisidores e, assim, trouxe à luz a mentalidade de um tipo comum que manifestava seu conteúdo, mescla da tradição oral com os livros que havia lido...
Seu nome era Domenico Scandella e nasceu no ano 1532, em Montereale (aldeia da região montanhosa do Friuli – de localização norte/leste da Itália, onde se situa Udine, entre outras cidades famosas)... Sua vida passou-se ali, provincianamente, à exceção do período 1564-65, quando permaneceu em Arba depois de ter se envolvido numa briga. Menocchio era casado, pai de sete filhos... Havia perdido outros quatro, que morreram das complicações que acometiam as crianças daqueles tempos.
Além de moleiro, Menocchio exercia as atividades de carpinteiro, marceneiro, pedreiro e outras... Como se vestia habitualmente? Trajava as vestimentas típicas de moleiro (veste, capa e capuz de lã branca)... Foi dessa forma que se apresentou ao julgamento... Perante os juízes, Menocchio manifestou considerar-se paupérrimo, revelando ter apenas “dois moinhos de aluguel e dois campos arrendados” com os quais sustentava a família... Mas a apuração de Ginzburg leva-nos a concluir que ele era um tipo de condição melhor do que a maioria.
É bem provável que, apesar do aluguel e taxas que devia pagar, conseguisse mais do que o suficiente para a sobrevivência... Essa avaliação pode se sustentar, inclusive, a partir do fato de (por ocasião de seu refúgio em Arba) não ter encontrado dificuldade para alugar outro moinho... Ginzburg também leva em consideração o dote que Giovanna (filha do moleiro) recebeu à época de seu casamento. Em comparação com as famílias da região, a soma de 256 liras e 9 soldos era acima do razoável.
Menocchio sabia ler, escrever e somar... Isso o colocava numa posição de relevância em relação aos demais viventes de Montereale. Talvez por isso (em 1581) o moleiro havia sido magistrado (podestá) de sua aldeia e da redondeza (Gaio, Grizzo, San Leonardo, San Martino)... E, também, durante certa ocasião, foi administrador (camarero) da paróquia de Montereale. Tudo leva a crer que Menocchio tivesse frequentado uma escola pública de nível elementar, onde conheceu um pouco de latim.
Em 28 de setembro de 1583 o Santo Ofício recebeu a denúncia contra o moleiro por ter proferido palavras “heréticas e totalmente ímpias” sobre Cristo... E com a agravante de não se conter ao propagar suas opiniões. No mês seguinte iniciou-se a investigação, que teve lugar em Portogruaro, Concordia e Montereale... Francesco Fasseta, testemunha interrogada, afirmou que o moleiro tinha o hábito de discutir abertamente sobre fé, inclusive com o pároco. Esse tipo de revelação tornava delicada a situação do acusado...
Assistimos as testemunhas se apresentando com o máximo cuidado de não se comprometerem perante as autoridades... Isso fica evidente nas palavras do sapateiro Domenico Melchiori, que procurou deixar claro que, mesmo com a insistência do acusado em discutir religião, advertia-o da impropriedade de suas conversas... De suas palavras, Ginzburg destaca: “Eu sou sapateiro, você é moleiro, e você não é culto. Sobre o que é que vamos discutir?”... Os assuntos que Menocchio polemizava não eram para pessoas comuns. Mas ele tinha a sua interpretação e não se importava em manifestá-la... Assim, os depoimentos mostravam que ele arrogava para si um conhecimento que permitia dizer que sabia mais de Deus do que os padres... Esses que, em sua opinião, “nos querem debaixo de seus pés e fazem de tudo para nos manter quietos, mas eles ficam sempre bem”...
Em Concordia, quando esteve com o vigário-geral, num encontro proporcionado pelo pároco de Montereale para que suas ideias fossem clareadas, ouviu que suas opiniões eram heresias. Diante do juízo da autoridade local, Menocchio comprometeu-se a não mais tratar daqueles assuntos... Mas não foi isso o que ocorreu porque em todas as localidades e caminhos ele iniciava conversas com quem encontrasse e, de acordo com depoimento de Giuliano Stefanut, emendava suas opiniões sobre Deus “introduzindo sempre algum tipo de heresia” e então discutia e gritava na defesa de sua opinião...
Em breve notaremos que a situação do moleiro em relação às autoridades inquisitoriais foi se complicando cada vez mais e seu destino foi se aproximando do catastrófico.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/09/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.

Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas