sábado, 9 de novembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – Beccaria e a ideia de que a exposição pública das punições favorecia a transparência da lei; Henry Dogge e o conceito de que o respeito aos indivíduos proporciona o bem à sociedade; um corpo dilacerado não quita dívidas; fragmentos de Willian Eden; considerações de Benjamin Rush, críticas à exibição da dor dos supliciados ao público; em defesa da reabilitação dos criminosos

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/11/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_8.html antes de ler esta postagem:

O fato é que houve época em que a exibição do sofrimento dos executados era associada à necessidade de tornar pública a vingança do Estado contra a ousadia do criminoso ao afrontá-lo... Isso nem quer dizer que a infração dos condenados tinha a ver com crime político. Importava mostrar que a ordem não podia ser de nenhum modo perturbada; e que, qualquer que fosse o crime, ele era sempre entendido como afronta ao poder estabelecido. Como sabemos, a religião legitimava o espetáculo de horrores das execuções judiciais, mas aos poucos o componente religioso foi questionado para dar lugar à tolerância e à ideia de reparações mais humanas.
Beccaria foi defensor de um código sem a influência da religião e baseado no contrato, como preconizava Rousseau. Ele afirmava que as leis “devem ser convenções entre os homens num estado de liberdade”, defendia castigos proporcionais aos crimes e menos cruéis. Todavia sustentava que o fato de as punições serem expostas ao público favorecia a “transparência da lei”.
(...)
A mentalidade de valorização das individualidades e o afastamento das fundamentações religiosas nos processos levaram a um entendimento de que as dores (que funcionavam como ameaça a toda comunidade) impostas aos condenados só a eles pertenciam... Por outro lado, repudiou-se os autos de sacrifício para “o bem de todos ou para um propósito religioso mais elevado”.
É como Henry Dagge, teórico britânico do Direito afirmava: “o bem da sociedade é promovido com mais sucesso pelo respeito aos indivíduos”... A partir desse ponto de vista, as punições deviam ser entendidas como “pagamento de dívida” e não como “expiação de um pecado”...
De um corpo mutilado não se pode esperar nenhuma quitação de dívida. Isso é óbvio e nos leva a refletir sobre o “lugar das dores impostas aos supliciados no Antigo Regime”: elas eram um “símbolo da reparação”. As mudanças provocadas pelos princípios iluministas levaram os teóricos a encará-las como “obstáculos a qualquer quitação significativa”. O livro destaca que em várias colônias inglesas na América do Norte, juízes passaram a determinar o pagamento de multas nos casos de ataques às propriedades... Antes impunham chibatadas aos condenados.
A sociedade deixou de ver nas cruéis execuções públicas a reafirmação da ordem e dos princípios morais que se tinham por corretos... Os castigos passaram a ser vistos como um ataque abominável... E mais: a dor só podia brutalizar ainda mais o indivíduo punido e os que assistiam ao seu flagelo. De modo algum a antiga concepção possibilitava qualquer arrependimento.
Para ilustrar a crítica ao modelo antigo de punições públicas, o livro destaca fragmentos de Willian Eden, estadista e jurista britânico, a respeito da exposição pública dos cadáveres dos condenados:

                   “Deixamo-nos apodrecer como espantalhos nas sebes, e nossas forcas estão amontoadas de carcaças humanas. Alguma dúvida de que uma familiaridade forçada com esses objetos possa ter qualquer outro efeito que não seja o de embotar os sentimentos e destruir os preconceitos benevolentes das pessoas?”

Lynn Hunt destaca uma afirmação de Benjamin Rush (médico, educador e signatário da Declaração de Independência dos Estados Unidos), que responde satisfatoriamente ao questionamento apresentado anteriormente. Em 1787, Rush garantiu que “A reforma de um criminoso jamais pode ser levada a efeito por um castigo público”.
Então está claro que os reformadores da legislação penal se posicionaram contra o abuso dos castigos públicos... Sentenciavam que eles não produziam qualquer sensação de vergonha ou resultavam em mudanças de procedimentos dos imputados por crimes. Para os especialistas, a exposição da barbaridade extremada contra os condenados não levava o público a refutar sinceramente os maus exemplos dos supliciados.
Rush concordava com Beccaria ao se opor à pena de morte, mas, diferentemente deste, defendia que os castigos impostos aos condenados fossem longe das vistas da comunidade... Além disso, para ele, as punições deviam ter a função de reabilitar o criminoso, possibilitando a sua reintegração à sociedade e à “tão cara” liberdade pessoal.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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