segunda-feira, 4 de novembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – críticas e elogios aos retratistas ingleses; o advento de novos ricos e o fenômeno da grande produção de retratos; reprodução da ostentação e o desejo de mostrar-se como indivíduo realizado; de mulheres retratadas e de artistas como a alemã Anna Therbusch; sobre a perfeição dos retratos e fragmentos de Sterne à amada Eliza

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/10/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_24.html antes de ler esta postagem:

Para os franceses, que tradicionalmente valorizavam as telas com motivos históricos, a Inglaterra era a responsável pela disseminação da moda de “infeliz gosto”, os retratos. Para eles, a arte verdadeira estava cedendo lugar para o tipo de obra que resultava dos desejos dos mais ricos comerciantes. No artigo de Louis de Jaucourt para a “Enciclopédia”, lê-se que o retrato era “o gênero de pintura mais seguido e procurado” entre os ingleses.
Louis Sébastien Mercier registrou que os retratos produzidos pelo anteriormente citado pintor inglês Joshua Reynolds eram mesmo impressionantes... Além disso, chamava a atenção de todos, os quadros que destacavam personagens em “tamanho natural”, que podiam rivalizar com as chamadas pinturas históricas. Dito de outro modo, podemos concluir que as pessoas comuns retratadas pelo genial artista podiam se sentir “heroicas” simplesmente “em virtude de sua individualidade” evidenciada pela tela. É o mesmo que dizer que os corpos comuns passavam a ter distinção.
Tanto na Inglaterra como em suas colônias, e até na França, a encomenda de retratos tornou-se comum... Eles não transmitiam apenas a ideia de individualidade... Os que se enriqueciam através das atividades ligadas ao comércio pretendiam marcar sua condição de destaque na sociedade, e muitos valorizavam mais os detalhes que transmitiam ares de nobreza do que a fidedignidade do retrato em si. Não foi por acaso que alguns artistas se enriqueceram e se tornaram reconhecidos muito mais “por sua capacidade de pintar rendas, sedas e cetins do que faces”.
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A segunda metade do século XVIII assistiu à diminuição da importância dos retratos mais tradicionais, já que tanto os artistas quanto os que os procuravam passaram a valorizar “representações mais naturais da individualidade psicológica e fisionômica”. A proliferação dos retratos transmitiu a ideia “de que cada pessoa é um indivíduo – isto é, singular, separado, distinto e original, e assim é que devia ser representado”.
O fenômeno dos romances epistolares colocou em evidência mulheres comuns que carregavam uma vida interior fascinante... Não poucos artistas passaram a representar mulheres em retratos que valorizavam a “franqueza e a intimidade psicológica” de suas clientes... Dessa maneira, as telas exibiam rostos que lembravam máscaras meramente decorativas. Essa nova inspiração aproximou e proporcionou maior intimidade entre artista e as modelos.
Muitas mulheres tornaram-se retratistas de homens... Como era de se esperar vários teóricos redigiram críticas a elas. O livro destaca os apontamentos de James Boswell sobre as considerações de Samuel Johnson, para quem “a pintura de retratos” era um trabalho inapropriado para as mulheres: “A prática pública de qualquer arte, e o ato de perscrutar a face dos homens é algo muito indelicado numa mulher”.
Apesar disso, várias retratistas se destacaram em seu ofício. E esse foi o caso de Anna Therbusch, artista alemã conhecida por ter pintado o retrato de Denis Diderot... A tela foi exibida ao público no “Salon” de 1767 e na ocasião Diderot ouviu tantas insinuações sobre o seu envolvimento com Therbusch que se sentiu na obrigação de se pronunciar contra as sugestões “de que tinha dormido com ela”. Ao mesmo tempo em que admitia que o resultado do trabalho era admirável (tanto é que sua filha se encantara com a semelhança) garantia que, por se tratar de “uma mulher que não é bonita”, não se envolveria sexualmente com ela.
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Do que até aqui se expôs, depreende-se que, apesar de muitos não se importarem com a semelhança entre o retrato e o personagem representado, vários críticos e consumidores a valorizavam.
“A Invenção dos Direitos Humanos” destaca fragmentos produzidos por Laurence Sterne em seu “Journal to Eliza” (1767; em vez de Eliza poderíamos ler Elisabeth Draper, nome da grande paixão a quem o escritor na verdade se dirigia)...
Longe de sua amada, o que ameniza sua dor é o “retrato de Eliza” (que Lynn Hunt aponta como uma produção de Richard Cosway). A semelhança era tão grande que Sterne a admitiu em carta... O trecho em questão dá conta de uma “doce imagem sentimental”:

                   A sua Imagem é Você Mesma – toda Sentimento, Suavidade e Verdade. (...) Original muito querida! Como se parece com você – e se parecerá – até que você a faça desaparecer pela sua presença”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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