Ainda sobre os retratos, especificamente os de mulheres, o livro lembra que eles foram importantes para o desenvolvimento da empatia do mesmo modo que os haviam sido os romances epistolares... O público masculino sempre deu a entender que preferia que as mulheres se mantivessem modestas e virtuosas, todavia elas se dedicavam a representações que despertavam o sentimentalismo...
Artistas e analistas da arte entendiam que a semelhança entre o retratado e a obra acabada (o retrato) devia ser valorizada, e era isso o que a maioria dos clientes pretendia. Foi nesse contexto que, em 1786, Gilles-Louis Chrétien (músico e gravurista) criou o fisionotraço, uma máquina que elaborava “retratos de perfil”. O resultado era um perfil com as proporções naturais... Na sequência, o riscado era reduzido e gravado numa placa de cobre.
Os retratos em perfil, feitos a partir da invenção de Chrétien tornaram-se populares... Logo no início, ele contou com a colaboração do miniaturista Edmé Quenedey, que o abandonou e se tornou concorrente e rival... É quase certo que os dois trabalharam juntos na produção de um perfil de Thomas Jefferson no começo de 1789. Anos mais tarde, outro francês introduziu o método nos Estados Unidos e isso possibilitou ao próprio Jefferson a encomenda de novo perfil em 1804.
Não há dúvida de que o fisionotraço, técnica anterior à fotografia e superada por ela, só teve razão de existir devido ao interesse de se representar as pessoas, inclusive aquelas mais comuns. E (é claro) ao desejo demonstrado por elas mesmas de se verem retratadas... O fisionotraço já permitia destacar “as menores diferenças” que as pessoas trazem (em sua fisionomia) em relação às demais.
O anteriormente exposto nos remete aos comentários de Sterne a respeito do retrato (de Eliza) e concluímos que a reprodução dos traços das pessoas, especificamente nas miniaturas, tinha o potencial de desencadear lembranças e emoções amorosas.
(...)
Então os leitores dos
romances epistolares que desenvolveram empatia certamente desejaram passear por
alamedas e jardins com a intenção de curtir um tempo para reflexões e
lembranças. São os mesmos que desejaram ambientes mais silenciosos para uma boa
audição de música; sentiram a necessidade de fazer refeições usando pratos e
outros utensílios separadamente; apreciaram retratos e se opuseram às
violências contra Jean Calas...
Mas ainda em relação aos
processos que envolviam torturas judiciais vale lembrar que os magistrados e
defensores do rigor dispensado aos condenados “sem dúvida escutavam música em
silêncio, encomendavam retratos e possuíam casas com quartos de dormir”... É
bem provável que não tenham se tornado leitores dos romances epistolares porque
os associavam à ”sedução e à devassidão”.
Entre os doutores da lei, a
defesa do tradicional sistema de punição e castigos ocorria porque estavam
convictos de que o uso da força extremada era necessário e (o castigo cruel)
merecido pelos condenados... Eles acreditavam que a gente do povo não tinha
capacidade de regular as paixões, sendo assim devia prestar obediência
incondicional aos líderes sociais (governantes, magistrados, religiosos), que
eram as pessoas capazes de promover o bem e eliminar os “instintos mais baixos”
enraizados no populacho. Aceitava-se que essa propensão para a maldade se
explicasse a partir de preceitos bíblicos, como o do “pecado original” que
atinge a todos desde que Deus puniu Adão e Eva, expulsando-os do Éden.
Em
postagem anterior, vimos que Beccaria desenvolveu ideias contrárias à tortura e
lançou desafios aos teóricos que defendiam os mecanismos tradicionais de
inquirição e punição. Pierre-François Muyart de Vouglans foi dos poucos a se
manifestarem na defesa dos procedimentos cruéis. Este autor produziu vasto
conteúdo a respeito de lei criminal e pelo menos dois panfletos em defesa do
cristianismo e contra os que se inspiravam nas ideias de Voltaire e seu
“Tratado sobre a Tolerância”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/11/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_6.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto