quinta-feira, 14 de novembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – sensibilização em torno do sofrimento dos suplícios judiciais; novamente o caso Calas e as petições de advogados sobre sua inocência; ideia de que a resignação e resistência do torturado indicavam inocência; Alexandre-Jérôme Loiseau de Mauléon e as palavras de Calas a respeito da própria inocência; metocospia, frenologia e outras crenças sobre a revelação do caráter da pessoa a partir de marcas exteriores

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/11/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_9.html antes de ler esta postagem:

Em várias sociedades europeias aconteceu, principalmente entre os mais estudados, uma sensibilização das pessoas em torno dos sofrimentos impostos aos supliciados pela tortura judicial. Isso ocorreu entre o início da década de 1760 e os anos 1780...
No começo, muitos advogados redigiram petições denunciando as injustiças contra Calas. Assim como Voltaire, eles não se colocavam incisivamente contra a tortura determinada pela justiça ou especificamente pelo suplício da roda. Focavam na questão do fanatismo e estavam convencidos de que a intolerância religiosa havia levado as pessoas comuns e os juízes de Toulouse a punirem o velho Jean Calas... De um modo geral, as petições se prolongavam em detalhes acerca da tortura e da morte do condenado, mas não colocavam em questão a legitimidade dos instrumentos de punição.
Podemos dizer que as petições que se tornaram públicas na defesa de Calas levavam em consideração que a dor que a tortura provocava, um “cruel castigo”, não havia sido suficiente para vencê-lo... De outro modo, podemos dizer que, para os advogados que se debruçaram sobre o caso e saíram em defesa do pobre homem, ele conseguiu provar que era inocente exatamente porque suportou a dor.
É como dizia Alexandre-Jérôme Loiseau de Mauléon que, em sua tese sobre a inocência do calvinista, afirmava que ele “suportou a questão (a tortura) com resignação heroica que só pertence à inocência”. Em um trecho de sua defesa destaca as “comoventes palavras de Calas”:

                   “Morro inocente; Jesus Cristo, a própria inocência, desejou fervorosamente morrer com um sofrimento ainda mais cruel. Deus pune em mim o pecado daquele infeliz (referia-se ao filho) que se matou. (...) Deus é justo, e adoro os seus castigos”.

Para Loiseau, essa “perseverança majestosa” do torturado alterou completamente os sentimentos dos que acompanhavam o seu caso. Conforme o supliciado repetia que era inocente ao mesmo tempo em que era submetido aos cruéis tormentos, todo o povo se compadecia e se arrependia dos juízos que haviam antecipado contra ele. Os golpes da vara de ferro contra seus ossos soavam “no fundo das almas” de todos que acompanhavam o suplício, “torrentes de lágrimas se derramavam” dos olhos das pessoas...
No dizer do próprio Loiseau, “lágrimas demasiado tardias”.
(...)
Acontece que, para muitos, a tortura continuava a ter sua eficácia judicial na medida em que forçava o indivíduo a confessar por mais que sua consciência resistisse. Lynn Hunt esclarece que havia uma tradição na Europa sobre a possibilidade de se conhecer o caráter das pessoas a partir de certas marcas ou sinais corpóreos (uma “tradição fisionômica”).
Diversas obras publicadas desde o final século XVI e durante o XVII tratavam da “Metoposcopia” e da ciência da “interpretação do caráter ou sorte” das pessoas a partir da interpretação de “linhas, rugas ou manchas na face”. “A Invenção dos Direitos Humanos” cita o título de uma delas, cujo autor era Richard Saunders (1653): “Fisionomia e Quiromancia, metocospia, as proporções simétricas e os sinais do corpo plenamente e acuradamente explicados, com suas significações naturais previsíveis tanto para os homens como para as mulheres”.
Como se vê, muitas pessoas acreditavam mesmo que os sinais visíveis dos corpos eram reveladores do interior de cada um. Até o final do século XVIII e começo do XIX ainda podiam se encontrar defensores dessas ideias, principalmente entre os adeptos da “frenologia” (que teciam considerações acerca do grau de inteligência a partir do formato e protuberâncias do crânio).
Mas, aos poucos, médicos e cientistas passaram a refutar mais incisivamente esses conceitos e a partir de 1750 se colocaram terminantemente contra essa crença infundada.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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