segunda-feira, 25 de novembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – ainda o debate entre as ideias de Beccaria e a tradicional defesa da tortura judicial; disseminação das traduções do tratado pela Europa e América; os adversários associavam o texto ao caso Calas; fragmentos de Linguet acusando uma “conspiração iluminista” contra o direito tradicional; ideias expostas na “Enciclopédia” de Diderot; premiações e incentivos aos textos em defesa da reforma e acirramento da crítica

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/11/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_20.html antes de ler esta postagem:

As traduções do texto de Beccaria se multiplicaram pela Europa... Em 1766 a Igreja Católica o incluiu no Index, mesmo assim, até 1800 quase 30 edições italianas (várias delas com notas apócrifas e falsas) e outras 9 francesas foram publicadas. Um ano após a condenação papal do tratado, os ingleses conheceram a publicação traduzida de Beccaria, e logo a seguir apareceram novas edições em Glasgow, Dublin, Edimburgo. Charleston. Com a publicação na Filadélfia, também a América passou a debater as ideias de reforma do Direito... Surgiram edições traduzidas também na Alemanha, Polônia, Holanda e Espanha.
Os tempos eram mesmo de sensibilização em torno dos sofrimentos dos processados judicialmente. Em Londres, o tradutor da obra de Beccaria assinalava que:

                   “as leis penais (...) ainda são tão imperfeitas, e se fazem acompanhar por tantas circunstâncias desnecessárias de crueldade em todas as nações, que uma tentativa de reduzi-las ao padrão da razão deve interessar a toda humanidade”.
(...)
Os inimigos do movimento iluminista passaram a implicar com a disseminação do texto de Beccaria e afirmaram que só podia haver uma conspiração para abalar o direito penal vigente nas sociedades... O fato é que após toda polêmica em torno do caso Calas houve intensa mobilização para se definir a reforma das leis judiciárias. Criticava-se o fato de Beccaria, um italiano “ignoto” e de ”conhecimento apenas superficial da lei”, exercer tanta influência entre os pensadores do Direito.
Simon-Nicolas-Henri Linguet, era dos críticos mais ferrenhos. Em 1779, o jornalista anunciou que ouvira de certa testemunha que:

                   “Pouco depois do caso Calas, os enciclopedistas, armados com os tormentos da vítima e aproveitando circunstâncias propícias, embora sem se comprometer diretamente, como é o seu costume, escreveram ao reverendo padre Barnabite em Milão, que é seu banqueiro italiano e um famoso matemático. Contaram-lhe que era o momento de desencadear uma catilinária contra o rigor dos castigos e contra a intolerância; que a filosofia italiana devia fornecer a artilharia, e eles fariam uso dela secretamente em Paris”.

Para Linguet, o tratado de Beccaria não passava de petição para favorecer Calas e outros que se tornassem vítimas dos processos entendidos como injustos. Pode-se dizer que a obra do italiano influenciou a campanha que se desencadeou contra a tortura judicial, todavia os resultados não foram imediatos e não foi de um momento para outro que os simpatizantes da causa se uniram em torno de suas ideias.
O livro cita dois artigos de 1765 publicados na “Enciclopédia” organizada por Diderot para exemplificar o anteriormente exposto. O texto de Antoine-Gaspard Boucher d’Argis trata da “jurisprudência da tortura” e faz referências a “tormentos violentos” aplicados em processados sem proferir qualquer julgamento a respeito da questão... O outro artigo, de Louis de Jaucourt (comumente chamado Chevalier de Jacourt), considera a tortura um expediente próprio do processo penal, mas condena a sua prática e, para isso, recorre a termos e argumentos que vão desde a “voz da humanidade” até a ineficácia do expediente em se comprovar evidências de culpa ou inocência.
(...)
O final da década de 1760 conheceu a publicação de outros cinco livros em defesa da reforma judiciária... Durante a década de 1780 foram 39 publicações! O período intermediário foi marcado por intensa campanha pelo fim das torturas e pela “moderação dos castigos”. Em países como França, Itália e Suíça ofereciam-se premiações para os melhores textos em defesa da reforma.
Como podemos depreender, na França o debate era dos mais ferrenhos e, para evitar maiores transtornos devido às críticas mais exaltadas, o governo tomou providências para impedir que a academia de Châlons-sur-Marne continuasse a “imprimir cópias do ensaio vencedor de 1780, de autoria de Jacques-Pierre Brissot”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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