segunda-feira, 4 de novembro de 2019

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – Uma introdução; sobre o avanço português em terras da África e a aliança política com lideranças nativas do Congo; imposição dos padrões europeus, rei e administração artificiais; a “mentira que virou folclore”

“Rei do Congo – A mentira histórica que virou folclore” é livro de José Ramos Tinhorão, estudioso da História, costumes e cultura de nossa gente.
Sua pesquisa nos conduz ao século XV e aos eventos da expansão marítima e comercial empreendida por Portugal, então um jovem país reconhecido por seus projetos de navegação pelo Atlântico e mais especificamente em direção ao litoral africano. Esse pioneirismo colocava Portugal na dianteira em relação às demais nações mercantilistas.
O livro esclarece as investidas lusitanas em terras do interior da África e os acertos políticos com lideranças do Congo, que aceitaram a aliança e a influência estrangeira. Disso resultou que os nativos se submeteram ao modelo de fundamentação religiosa que os portugueses ofereciam.
Na realidade, a configuração política e social transferida aos parceiros africanos, como o próprio título sugere, revelou-se mais como aparência. Os nativos possuíam tradições que se chocavam com princípios católicos arraigados há muito tempo em Portugal... Assim, a ideia de um rei investido de poder divino e definido pela hereditariedade ou a monogamia eram idealizações que não se encaixavam na sociedade africana.
Para que a farsa prosseguisse, as autoridades portuguesas trataram de converter os aliados e de orientá-los sobre o tipo de organização que deveriam manter... Obviamente a inspiração era a dos padrões europeus, e é claro que em algum momento o projeto ruiria. No entanto, enquanto durou, o governo português e alguns encarregados pela administração de capitanias tiraram proveito das riquezas naturais e conseguiram levas de escravos fornecidos pelo parceiro africano.
Percebemos que o “rei do Congo” esperava sinceramente que a aliança trouxesse benefícios à região e ao povo... As cartas trocadas com o monarca português dão conta de demandas de recursos para a propagação da fé católica bem como para a estruturação econômica aprendida.
Mas logo se viu que inescrupulosos funcionários da coroa colocaram em prática planos para ludibriar o “rei do Congo” e tomaram para si valiosas cargas que eram enviadas para Portugal e outras que chegavam em socorro do aliado africano... Tinhorão apresenta vasta documentação a respeito dessas falcatruas.
Por fim, resta comentar que a experiência da monarquia forjada por Portugal para o longínquo território no Congo engendrou manifestações folclóricas cultivadas por escravos introduzidos no Brasil... A congada, festa marcada por danças e pela coroação do “rei do Congo”, é a principal delas.
(...)
Para um melhor entendimento da temática em questão, o autor fornece ao leitor informações preciosas a respeito do processo histórico de formação de Portugal desde as Lutas da Reconquista Cristã, que tiveram como palco a península Ibérica desde o século VIII, quando os muçulmanos a invadiram... Como devemos saber, os cristãos se organizaram no Norte e desde Reino das Astúrias se empenharam para expulsar os “infiéis”.
As Lutas da reconquista duraram muitos séculos e conforme os cristãos obtinham êxito nos conflitos organizavam novos reinos que deram prosseguimento à cruzada. Cristãos de outras partes da Europa se juntaram à luta com abnegação... Um deles, Henrique de Borgonha, foi agraciado com o Condado Portucalense (que pertencia ao reino de Leão) em fins do século XI.
A História registra que foi desse condado que surgiu o reino de Portugal, tornado independente no século seguinte... O país ainda mais se empenhou nas lutas contra os árabes. Cedo descobriu sua vocação marítima e não demorou para que projetos voltados à navegação pelo Atlântico fossem colocados em prática... O norte africano se apresentava como território estratégico, tanto do ponto de vista econômico quanto em relação ao almejado triunfo contra os inimigos muçulmanos.
A pesquisa de Tinhorão nos leva a conhecer a história política de Portugal, suas conquistas e reveses... Os avanços científicos da época, desde a confecção de instrumentos de navegação à produção de mapas não escapam da análise do historiador.
A propagada ideia do mítico reino do Preste João inspirou o pequeno reino cristão... Por diversos motivos, a esperança de que finalmente ele poderia ser encontrado nas avançadas terras do interior da África levou os portugueses a se empenharem na busca do aliado que enfim os ajudaria a derrotar definitivamente os “infiéis”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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