quinta-feira, 6 de junho de 2013

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – as trilhas prosseguem; Robert se envolve intensamente nas descobertas que faz na natureza e sobre o cotidiano dos aldeões; pneu furado e encontro com as três pobres moças; noite no celeiro, tão distantes de seu cotidiano urbano, haveria retorno?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir.html antes de ler esta postagem:

Os passeios de bicicleta eram mesmo muito agradáveis. As anotações que Anne fazia em seu mapa se revelavam no trajeto que percorriam no dia seguinte... Henri se encantava com isso... Os registros apontavam curvas, subidas, descidas, cascatas... O moço se impressionava, pois o “pontinho feito com lápis azul” denunciava uma queda d’água e, algumas pedaladas adiante, encontravam-na com todo o seu esplendor. Dubreuilh não dava conta de ver tudo o que planejavam e até protestava sobre a programação “não ter fim”... Mas quando se decidia por determinado ponto do passeio era “pra valer”, então encostava a bicicleta e caminhava até o alvo sem se importar com a distância que teriam de percorrer... Aí contemplava os detalhes, as pedras, a disposição das árvores, a temperatura e limpidez da água, o pôr-do-sol... Depois tinha assunto para comentar com os companheiros de trip. Tanto se inspirava em seus comentários sobre suas “descobertas” na natureza, que Henri concordava que pudessem se irritar o lado de Robert, mas notava que a vida em sua companhia era de grande intensidade, ele era imprescindível... Concluiu que os de seu convívio eram privilegiados por isso.
Poderíamos imaginar que Dubreuilh era todo interessado pelos detalhes da natureza por ocasião da excursão pela França rural. Mas é certo que ele se detinha em longas conversas com os que viviam no campo... Sim, ele se importava com as pessoas, com as gentes dos lugares... Admirava-se com o trabalho nas plantações e gostava de ouvir dos aldeões sobre o seu cotidiano e também a respeito de política...
Houve certa vez, no quinto dia de passeios, em que o pneu da bicicleta de Anne furou... Os três tiveram de caminhar por uma hora até que chegaram a uma casa bem isolada... Ali havia apenas três moças desdentadas, cada uma com o seu bebê ao colo... Nossos personagens conseguiram permissão delas para consertarem a câmera por ali... Robert estranhou o fato de encontrarem as moças e as crianças em péssimas condições e sujas... Ele cogitou com Anne a respeito da possibilidade de pedirem para passar a noite no celeiro... O casal tentava imaginar o motivo da ausência dos companheiros das três... Estariam no campo? Anne conversou com as moças a respeito do celeiro e, embora elas se escandalizassem com a ideia de dormirem sobre o feno, não criaram objeções... Apenas insistiram que deveriam beber algo quente antes de dormirem.
Então, mais tarde, tomaram café de cevada enquanto conversaram com as três... Ficaram sabendo que elas eram casadas com três irmãos. Eles estavam ausentes há dez dias, pois tiveram de seguir para Basse-Ardèche, onde trabalhavam na colheita de lavanda... Em ocasiões assim, elas permaneciam sozinhas a cuidar dos animais e dos filhos... As moças não demonstravam habilidade no falar, mas conseguiram revelar que a vida por ali (embora o “lugar isolado do resto do mundo” atraísse a imaginação aventureira dos intelectuais) era muito difícil... Colhiam castanhas e tufos de lavanda com muito esforço para auferir uns poucos francos... Em meio ao feno e os seus odores, “Henri sonhava que não existiam mais nem estradas, nem cidades: não haveria regresso”.
Esses últimos trechos são como que uma pausa na agitada temática política da qual Henri, Anne e Robert eram protagonistas... De fato, o angustiado Henri (que, quando podia, passava o tempo lendo, pois há muito abandonara o redigir) poderia mesmo imaginar que, onde estavam, e no ritmo em que viviam, dificilmente haveria modo de regressar... O “retorno” aí pode ser entendido também como o regresso às existências que haviam deixado em Paris.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-as_7.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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