quarta-feira, 19 de junho de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – Melchiorre Gerbas, “seguidor de Menocchio”; o moleiro e sua preocupação com a família; concepção de “mundo novo” ao tempo dos “descobrimentos marítimos”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:

Menocchio tentou difundir as suas ideias entre o povo simples e ignorante de Montereale, mas, pelo visto, não lhe deram atenção. O primeiro processo foi fechado com a consideração de que “houve intervenção divina para impedir que aquelas almas simples fossem corrompidas”.
Melchioerre Gerbas, um marceneiro analfabeto, foi o único a dar ouvidos às palavras do moleiro. Sobre este Gerbas, dizia que se tratava de um tipo “de pouco juízo”, que blasfemava nas tavernas, falando que não acreditava em Deus... Muitos diziam que ele era influenciado por Menocchio. As autoridades quiseram conhecer os vínculos entre os dois e, no início, Melchioerre contou que ambos tratavam de trabalho, já que Menocchio fornecia madeira a ele... Mais tarde o marceneiro revelou que andou blasfemando nas tavernas repetindo a frase de Menocchio que identificava Deus com o ar.
Não é de se estranhar que a figura de Menocchio, um tipo comum da cidade, diferenciado por seus ares de “leitor prosélito”, tenha exercido atração sobre Melchiorre... Este, encantado, seguiu propagando que o amigo possuía um livro com o qual podia “fazer coisas maravilhosas”...
Os demais habitantes do vilarejo enxergavam em Menocchio um tipo suspeito de heresia e consideravam que o seu caso, sim, é que era sério... O seu amigo marceneiro era visto como “doente da cabeça”, que exagerava nas palavras quando bebia demais... Interrogado pelo vigário-geral, ele garantiu que não acreditava no que havia afirmado (que Deus não existe), e completou com a garantia de que aquelas palavras lhe haviam sido ensinadas por Menocchio.
Então, aquele que era o único “seguidor confesso de Menocchio” em Montereale, acabou recebendo orientações penitenciais e foi dispensado pelas autoridades... Como o próprio réu afirmou, ele não se dispunha a falar de suas ideias com a mulher e os filhos, pois sabia da gravidade de seu conteúdo... Era mesmo solitário... Manifestou que se alterara na ocasião em que foi convocado a depor ao inquisidor em Maniago. Disse que seu desespero o levou a pensar em fazer o mal, pôr fogo em igrejas e assassinar padres, mas se conteve ao pensar em sua família.
(...)
O nosso personagem não acreditava que o mundo fosse obra de Deus, negava o pecado original e dizia “que o homem começou a pecar quando começou a mamar o leite da mãe, apenas fora do ventre da mãe”; propagava que Cristo era como os demais homens, e ainda sobre todos os outros conceitos já tratados por aqui... É certo que falou sobre uma realidade diferenciada, “um novo mundo”... E como não tratou de “segundo advento”, conclui-se que esse “novo mundo” era “realidade exclusivamente humana”.
Data do início do século XVI a publicação de uma carta de Americo Vespucci a Lorenzo di Pitro de’ Medici. O texto foi amplamente divulgado e tinha o título de Mundus Novus. Giuliano di Bartolomeo del Giocondo o traduziu do italiano para o latim... A motivação de Vespúcio não era outra senão a de noticiar a respeito de sua viagem às terras de além-mar (que eram totalmente novas para os de sua velha Itália)... Ninguém jamais ouvira falar daquele pedaço de mundo que, certamente, não se tratava das Índias imaginadas por Colombo...
Esse “novo mundo” “jamais conhecido” foi entendido metaforicamente como uma sociedade completamente diferente da que se conhecia... Em vez de um “novo continente”, entendia-se (uma) realidade humana idealizada... Evidentemente uma metáfora, algo “distante”, que devia ser edificada... Menocchio entendia “novo mundo” dessa maneira.
Leia: O queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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