A intenção é prosseguir apresentando detalhes da obra original que, por diversos motivos, não aparecem na adaptação que seguiremos acompanhando... O episódio narrado anteriormente (Caçada) destaca características de Peri que não foram apresentadas aqui porque os registros que fiz estavam num papel esquecido em meio a outros tantos. Antes dos relatos específicos dessa postagem, vale retomá-los: Peri vestia o aimará, uma simples túnica de algodão, e carregava à cintura uma faixa de penas avermelhadas... Seu cabelo era bem cortado, tinha olhos negros, boca e dentes fortes... À cabeça levava uma fita de couro onde estavam presas duas plumas... O moço era alto e apresentava mãos delicadas e pernas ágeis...
(...)
À tarde daquele mesmo dia, Cecília descansava no lento balançar da rede
de palha amarrada num pé de acácias... O cenário é o jardim do casarão do
Paquequer... A beleza da moça se tornava ainda mais encantadora com as
perfumadas flores que caíam ao seu redor... Sonolenta, apenas por breves
instantes seus olhos azuis davam o ar da graça... Sua alvura e cabelos louros
completavam a “arte de perfeição admirável”. Para muitos, a moça carregava as
características do que imaginavam serem os anjos. Sua vestimenta era simples,
mas os adornos conferiam-lhe o luxo possível àquelas paragens.
Dezoito anos. E o que podia
se passar em sua mente? Sonhava com um príncipe, um tipo idealizado que chegava
das nuvens e caía aos seus pés... Mas em vez desse cavalheiro, a realidade oferecia-lhe
um selvagem... Seus sonhos eram sempre assim... O príncipe encantado a socorria
nos sonhos, enquanto que o fiel escravo, sempre pronto a servi-la, magoava-se
ao notar-se rejeitado... Isso a entristecia muito... Mas era só um sonho que se
repetia.
Sempre próxima de Cecília estava a sua prima Isabel,
um tipo bem diferente, “brasileiro em toda a sua graça e formosura”, de olhos
negros e cabelos pretos, rosto moreno e sorriso provocador. Cecília disse que
se sentia triste... As duas seguiram falando sobre os dramas da filha do
fidalgo e Isabel estranhava porque a prima travessa só tinha sorrisos a ela
direcionados durante o ano todo... Mas a moça não se iludia... As árvores, o
rio e as montanhas já não eram novidade para Cecília, que de tão integrada ao
ambiente se sentia como se ali tivesse nascido e (desde sempre) vivido... Enfadonho
cotidiano, ela protestava... Isabel quis adivinhar o que faltava à prima. Então
falou sobre os seus “bichos de estimação” que estavam por ali: um pequeno
cervo, filhote de veado, e uma pequena rolinha... Estando ali os seus
bichinhos, a pequena princesa só podia estar sentindo falta de seu outro “animal
selvagem”, o índio Peri.
Isabel julgava Peri o mais feio e desengraçado dos “bichos de estimação”
de Cecília... Confirmando o seu estado entristecido, Cecília disse que o amigo
estava sumido desde a tarde do dia anterior... Manifestou sincera preocupação,
mas a prima a tranquilizava dizendo que nenhum mal poderia ocorrer ao selvagem
que vivia a “bater o mato” e a correr como “fera bravia”. Cecília prosseguiu em
suas ilações sobre os perigos que Peri poderia correr, já que nunca se
ausentara por tanto tempo do entorno da casa... A outra perguntou-lhe que tipo
de perigo ela imaginava que Peri poderia correr... A moça não respondeu, apenas
baixou os olhos e passou a se entreter com o embalo da rede... Percebe-se que a
caçada à onça empreendida pelo índio era assunto que ela conhecia e a envolvia
de alguma maneira.A loira chamou a atenção da morena por falar mal de Peri e não tratá-lo
bem. Isabel se justificou demonstrando que o seu comportamento em relação a
Peri era influência de dona Laurinda, que se referia a ele como animal comparável
ao cavalo ou ao cachorro. Mas ela notou que a prima não aceitava aquele
preconceito... Aproveitou a ocasião para dizer que os demais não eram como
Cecília e que também ela era tratada com desdém, principalmente por Laurinda...
Cecília procurou consolar a amiga dizendo que sua interpretação era resultado
de sua desconfiança... E completou dizendo que entre as duas o tratamento podia
ser, como já haviam combinado em outra ocasião, o de irmãs... Cecília ainda
brincou que escolheu ser tratada como “irmã mais velha”, mesmo sendo mais jovem
que a outra.
Na sequência vemos Cecília se comunicar através de estalinhos nos dedos
e assobios com os seus dois bichinhos e ser atendida por eles... O pequeno
passarinho até desceu da árvore para ganhar o aconchego da palma de sua mão...
De repente Isabel soltou um grito que mesclava alegria, susto e surpresa ao ver
que a comitiva chefiada por Álvaro de Sá passava pela cerca... Cecília admirou-se
pela chegada e também pelo fato de a prima saber por quantos dias estiveram
ausentes... Até perguntou se a outra contou os dias... De algum modo as duas sabiam
que tinham motivos para se sentirem acanhadas.
Cecília quis que fossem saber das novidades que
traziam, e se um fio de pérolas que havia encomendado para Isabel estava na
bagagem... Revelou que a peça ficaria muito bem destacada em sua pele morena,
motivo de inveja... A outra destacou que daria a vida para ter a alvura da
prima.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-guarani-de-jose-de-alencar-d-antonio.html
Leia: O guarani. Editora Ática
Um abraço,
Prof.Gilberto