terça-feira, 4 de junho de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – no “Supplementum”, de Foresti, um conteúdo acerca do cisma religioso provocado pela reforma luterana; os erros franciscanos na propagação das indulgências; Lutero, seu bom caráter e intenções dignas; a ignorância do povo simples e a aceitação das críticas aos clérigos e à Igreja; Lutero como “protótipo do rebelde religioso”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html antes de ler esta postagem:

O autor de Supplementum morreu em 1520... O texto foi ainda reimpresso muitas vezes em língua vulgar depois disso... É bem provável que o conteúdo que chegou às mãos de Menocchio tenha sido atualizado por alguém desconhecido, já que ele deve ter lido ali sobre os acontecimentos referentes à Reforma Religiosa iniciada em 1517, que aparece como o cisma de “Martinho, conhecido como Lutero, frade da ordem dos ermitãos de Santo Agostinho”... Muito provavelmente o editor tenha sido confrade de Foresti, ermitão como ele...
O texto condena a Reforma... Mas o seu início dá a entender que as intenções de Lutero foram provocadas por erros de líderes da Igreja em relação aos excessos das indulgências... Seu conteúdo tece críticas aos franciscanos que receberam autorização de Júlio II e Leão X para pregar a respeito das indulgências. Foram aqueles franciscanos “homens malignos que, debaixo de pretensa santidade, fizeram coisas novas e excessivas” e teriam errado ao inflamarem seus discursos que escondiam seu interesse maior que era o de possuir dinheiro e riqueza... Dessa maneira, ainda de acordo com o texto, os frades “caíram em insânia e se tornaram causa de grande escândalo devido às loucuras que pronunciavam pregando as indulgências. Em outra parte da Cristandade, na Alemanha, eles se expandiram muito e, quando diziam alguma loucura e alguns homens queriam repreendê-los (homens de consciência e doutrina justas), imediatamente os declaravam excomungados. Entre eles estava Martinho Lutero, o qual era de fato um homem culto e instruído”...
Somos tentados a crer que o maior problema apontado para o início dos fatos que desencadearam o cisma tenha sido o modo como os membros da ordem franciscana desempenharam-se equivocadamente... Foresti e seu continuador certamente não pertenciam à ordem franciscana.
O texto segue elogiando Lutero e suas “puras intenções”, esclarece os motivos de o mesmo ter encontrado apoio e aponta os resultados do movimento: “Depois disso, o tal Martinho Lutero, que era de sangue muito nobre e tinha grande reputação junto a todos, começou a pregar contra as indulgências, dizendo que eram falsas e injustas. Em pouco tempo tinha revirado tudo pelo avesso. E, como a maior parte das riquezas estava nas mãos dos clérigos, e havendo muito rancor entre os estados espiritual e temporal, ele facilmente encontrou seguidores e começou o cisma na Igreja Católica. Vendo que havia obtido amplo apoio, separou-se por completo da Igreja romana e criou uma nova seita e um novo modo de viver com suas muitas e diversas opiniões e fantasias. E isso foi o que aconteceu a um grande número de países que se rebelaram contra a Igreja Católica e não lhe devem obediência em coisa alguma”...
No trecho anterior verificamos a inspiração de Menocchio quando ele pronunciou ao tribunal que “desejava que existisse um mundo novo e um novo modo de viver, pois a Igreja não vai bem e não deveria ter tanta pompa”. Pode ser que, de forma consciente (também pode ser que inconscientemente), o moleiro reproduzisse como sua a representação do Lutero que interpretava no texto... Mas as ideias religiosas do reformador não eram sustentadas por ele. Aliás, o texto tece críticas ao radicalismo do cisma e atribui à "ignorância das pessoas" o fato de as ideias luteranas terem encontrado quem as apoiasse. Ambiguamente o texto conclui que as iniciativas contra a doutrina católica eram injustas, apesar de todos os erros dos clérigos: “E desse modo cegara a plebe ignorante; e os que tinham conhecimento e doutrina, ouvindo falar das más ações do estado eclesiástico, aderiram, sem considerar que esta conclusão não é verdadeira: se os clérigos e eclesiásticos levam uma vida degradada, a Igreja romana não é boa; porque apesar de levarem uma vida degradada, a Igreja romana é boa e perfeita; e, ainda que os cristãos levem uma vida degradada, a fé cristã é boa e perfeita”...
De acordo com as palavras do próprio Ginzburg, o texto de Foresti apresentou a Menocchio o “protótipo do rebelde religioso”... O “povo ignorante” havia sido unido por ele e, assim, os que detinham a maior parte das riquezas (“tudo pertence à Igreja e aos padres”) se curvaram... Pelo menos nos “territórios localizados além dos Alpes, onde a Reforma foi vitoriosa”. O mundo do moleiro, porém, era a realidade friulana da sua Montereale.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_19.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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