sexta-feira, 28 de junho de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – o hábito, um “estigma”; por causa dele as pessoas evitavam Menocchio; Simon, o “judeu convertido”, e o diálogo que mantivera com o moleiro; interesse pelo “Alcorão”; a vida e suas angústias; os temas religiosos perseguiam Menocchio

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_2445.html antes de ler esta postagem:

Dom Curzio Cellina sabia do hábito imposto pelo Santo Ofício Menocchio... E sabia também que o moleiro o usou por muito tempo, mas que estava disposto a solicitar às autoridades a dispensa daquele “estigma” porque o hábito se tornava um entrave... Por causa dele as pessoas o evitavam e pediam que se calasse quando falava da lua e das estrelas... O hábito tornava mais difícil conseguir algum contrato de trabalho...
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Então, dado que Menocchio estava reduzido ao silêncio, não havia motivos para investigações? Parece que a constatação era a de que ele “não representava mais perigo para a fé dos seus concidadãos”... Tanto é que o Santo Ofício do Friuli, que tinha uma decisão de interroga-lo em janeiro de 1599, desistiu do procedimento.
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Na mesma época em que Menocchio teve a sua conversa com Lunardo (e nós sabemos que este tratou de comunicar suas impressões a Gerolamo Asteo), aconteceu de o moleiro receber em sua casa um “judeu convertido” chamado Simon, que vivia de pedir esmolas... Por uma noite inteira os dois conversaram sobre temas religiosos... Menocchio destampou a falar mal dos padres que “viviam no ócio”, e que era por isso que escreveram os Evangelhos... Que Nossa Senhora havia tido dois filhos antes do nascimento de Jesus, e que era por isso que José não queria se casar com ela... E falaram sobre todos aqueles temas que Menocchio já havia conversado com o violinista Lunardo (“negação da divindade de Cristo; recusa do Evangelho; parasitismo do clero”...)...
Sabemos a respeito dessa conversa porque Simon falou sobre ela quando foi chamado a depor... E ele disse que Menocchio falara a respeito de um “livro lindíssimo”...  O convertido não viu o livro porque Menocchio já não o possuía, mas ele imaginou tratar-se do Alcorão.
Ginzburg destaca que o interesse de Menocchio e de outros heréticos pelo Alcorão talvez se explique pela recusa do dogma da Trindade... Sabemos que, de acordo com o Islã, Deus é único... De qualquer modo, não há como sustentar as palavras de Simon, que disse também que Menocchio sabia que morreria por causa de suas ideias heterodoxas... E garantiu que o outro só não fugia devido ao compromisso de seu compadre (Daniele de Biasio) de observá-lo de perto depois que o Santo Ofício comutou a sua condenação quinze anos antes... Em vez de “fugir para Genebra”, decidiu permanecer em Montereale... E se morresse, os “luteranos” buscariam as suas cinzas...
Questão de improvável solução seria descobrir quem seriam esses “luteranos” referidos por ele... Algum grupo clandestino? Alguém com quem conversara uma única vez no passado?
É provável que Menocchio sofresse... E que também imaginasse fantasias... Havia perdido a mulher e o filho Ziannuto, mortos... Simon revelou que o nosso personagem não vivia uma boa relação com os demais filhos, que o consideravam um estorvo...
Isso tudo à parte, Menocchio não tinha como se livrar dos apaixonantes temas religiosos... Eles não o deixavam... Restava-lhe permanecer... E aguardar o momento da chegada de seus perseguidores.
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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