sexta-feira, 28 de junho de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – o violinista Lunardo de Simon escreve sobre suas impressões acerca das ideias de Menocchio; Asteo, novo inquisidor-geral do Friuli recolhe informações sobre o moleiro; notícias sobre o antigo pároco de Montereale; opiniões de Giovan Daniele Melchiori e de dom Curzio Cellina sobre o comportamento de Menocchio

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_28.html antes de ler esta postagem:

Aconteceu que no carnaval do ano anterior, Menocchio esteve em Udine, onde teve a oportunidade de conversar com um tipo que tocava violino e que já era um conhecido seu... Este era Lunardo de Simon, que também aproveitava as festividades para ganhar algum dinheiro tocando o seu instrumento... Ao saber sobre a “bula contra os heréticos”, Lunardo escreveu uma carta ao frade Gerolamo Asteo em que narrava o conteúdo da conversa que tivera com o “tocador de violão” na praça de Udine... Relatou que Menocchio deu a sua opinião negativa sobre história que corria acerca de opção de Lunardo em se tornar padre... Contou que Menocchio gozou da condição de pobreza a que ele se submeteria caso sua vocação se confirmasse e que ainda emendou dizendo que ninguém tem notícia de paradeiro de santos e eremitas, “ninguém sabe onde foram parar”...
A carta prosseguiu com citações que Lunardo Simon garantia ter ouvido de Menocchio... O “tocador de violão” dissera que “se fosse turco não ia querer se tornar cristão”; que “Deus é o pai de todo mundo e que pode fazer e desfazer”; que “turcos e judeus também acreditam, mas não que tenham nascido da Virgem Maria”... E ainda todas aquelas coisas referentes ao “fato de Jesus não ter descido da cruz” e “sobre padres e frades não terem o que fazer, e que inventam e escrevem certas coisas”... Obviamente Lunardo considerou Menocchio um tipo herético e perigoso.
Vemos que o nosso personagem voltou a falar e a defender suas antigas opiniões... Apesar de todo o processo, abjuração, cárcere e padecimento pelos quais passara, seu coração jamais renegara aquelas convicções...
A carta de Lunardo, por incrível que possa parecer, não gerou consequências imediatas... Apenas em 28 de outubro de 1598 é que os inquisidores, revisando papelada do Santo Ofício, começaram a relacionar os nomes Menocchio e Domenico Scandella... Gerolamo Asteo se tornou inquisidor-geral do Friuli e passou a recolher novas informações sobre Menocchio... E foi assim que ele ficou sabendo que Odorico Vorai, que no passado fizera a denúncia contra Menocchio e que resultou em sua prisão, havia sofrido perseguição implacável dos parentes do moleiro e sido expulso da pequena Montereale, onde era pároco... Asteo levantou em papéis (entre os quais, provavelmente, a antiga carta enviada pelo violinista Lunardo) a possibilidade de Menocchio ainda sustentar as mesmas falsas ideias do passado.
Asteo se dirigiu a Montereale e contatou o novo pároco Giovan Daniele Melchiori, de quem ouviu as notícias sobre Menocchio proceder contrariamente às disposições do Santo Ofício, ao não mais usar o hábito e ao retirar-se de Montereale com certa frequência... Nós bem sabemos que essa informação não era totalmente verdadeira... Isso à parte, em síntese, Melchiori respondeu que Menocchio se confessava e comungava, assim, tratava-se de “um cristão e um homem de bem”... O pároco nada sabia dizer sobre o que os demais habitantes pensavam dele e, por precaução, à frase “na minha opinião é um cristão e um homem de bem” acrescentou um “pelo que se pode ver exteriormente”.
O capelão de San Rocco, dom Curzio Cellina, que era escrivão da aldeia, confirmou que considerava Menocchio um homem de bem, pois o via “confessando e comungando”... Acrescentou que devia se observar que ele tinha “certos humores” quando observava “a lua, as estrelas, outros planetas” ou quando ouvia “trovão ou qualquer outra coisa”... Nessa ocasiões costumava dizer seu pensamento sobre o que aconteceu, mas na sequência citava a “opinião da maioria” como que a demonstrar que concordava que “todos sabem mais do que ele sozinho”... Cellina afirmou que acreditava, mesmo, que os “humores” de Menocchio não fossem coisas boas... Então só podia ser por temor que citava “os outros”...
Pelo menos na aldeia, Menocchio não ousava falar abertamente como no passado... Podemos mensurar a sua situação de isolamento... Na medida em que carregava o peso de sua condenação do passado, via-se sem condições, pelo menos em Montereale, de voltar a manifestar a sua “independência intelectual”... Cellina o via “conversando com muita gente”, então concluía que ele devia ser amigo de todos... O capelão de San Rocco não admitia que fosse amigo ou desafeto de Menocchio, apenas o tratava como os demais cristãos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_6953.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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