O dia 12 de maio de 1584 foi o último para interrogatórios. Após a sessão, Menocchio foi novamente encarcerado... Cinco dias depois ele recusou que um advogado assumisse a sua defesa... Mas resolveu entregar uma extensa carta em que pedia absolvição.
O documento inicia fazendo referência à Trindade Santa... O moleiro sabia a quem se dirigia e, portanto, era “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” que ele apresentava o seu histórico de cristão, e com sua defesa esperava sensibilizar os clérigos. Revelou que, como cristão batizado, sempre vivera exemplarmente mantendo a obediência aos seus “pais espirituais” e à ética cristã... Garantiu que seus dias sempre se iniciaram e terminaram com o sinal da cruz, com o pai-nosso e a ave-maria... Explicou que, apesar de sua “conduta cristã”, andou dizendo (e até acreditando no que dizia) “coisas contra os mandamentos de Deus e da Santa Igreja”...
Menocchio prosseguiu sua carta afirmando que sua má conduta devia-se à obra do “falso espírito” que cegara o seu “intelecto, memória e vontade”. Sendo assim, aquela força do mal tomou conta dos seus pensamentos e atos... Então ele confessava “ter pensado, acreditado e dito o falso, e não a verdade”... Justificava que havia dado sua opinião, mas garantia que não afirmara que ela fosse a verdade.
O moleiro citou a história bíblica de José, o filho de Jacó, para mostrar que, de certa forma, com ele sucedera o mesmo... Ele seguiu registrando que José tinha dito ao pai e aos irmãos sobre alguns sonhos que significavam que seus familiares deveriam adorá-lo... Os irmãos brigaram com ele, não aceitaram sua atitude prepotente e quiseram matá-lo... Como essa decisão não era da aprovação de Deus, os moços decidiram vendê-lo a mercadores egípcios...

Menocchio queria fazer entender que sua situação era a mesma do José bíblico... Quer dizer, ele havia falado aos “irmãos e pais espirituais” (povo de Montereale e o padres), mas esses o acusaram e o “venderam” ao “grande pai inquisidor”... Foi assim que havia chegado àquela condição de réu do Santo Ofício, e aprisionado... Ele concluiu afirmando que toda aquela situação vivida por ele não era culpa dos que o acusaram e o prenderam, mas era assim que se cumpria a vontade de Deus... Garantiu que perdoava a todos e dessa maneira aguardava o perdão de Deus.
A carta de Menocchio não é breve... Ela prossegue articulando argumentos sobre as razões de Deus ao conduzi-lo àquela condição. Ele registrou quatro razões: para que confessasse seus erros; para que fizesse penitência pelos seus pecados; para se livrar do falso espírito; para servir de exemplo aos filhos e aos irmãos espirituais...Ainda na esperança de obter o perdão das autoridades, Menocchio evidenciou em sua carta que pensou, acreditou, falou e foi contra os mandamentos de Deus e da Igreja... Queria que o avaliassem um tipo infeliz por tudo o que se passara... Pedia perdão e misericórdia à Santíssima Trindade, à Virgem Maria, aos santos e santas... Pedia em nome da paixão de Cristo... Sendo Ele misericordioso, Menocchio esperava a caridade. Citou os vários episódios em que o perdão de Cristo se manifestou (com Maria Madalena, São Pedro, o “bom ladrão”, os judeus que o crucificaram, com São Tomé)...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_25.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto