sexta-feira, 21 de junho de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – Erasmo e a ideia de “mundo novo”, referindo-se ao radicalismo ao tempo da Reforma; o “Capitolo, qual narra tutto l’essere d’ um nuovo, trovato nel mar Oceano, cosa bela, et delettevole” e as narrativas sobre a Cocanha, aberrações, fartura e “novo mundo”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_19.html antes de ler esta postagem:

As notícias sobre o “novo mundo” descoberto pelos navegantes trazia todo tipo de expectativa e imaginação... O conceito (“novo mundo”), tal como o referido por Menocchio, já vinha sendo pensado há algum tempo... Temos a citação de carta de Erasmo (em 1527, a Martim Butzer) em que fez referência aos levantes que ocorreram ao tempo da Reforma e que tinham como característica “tumultuar a tradição”... Destacava-se que seria importante buscar o entendimento junto aos príncipes e bispos para que as modificações ocorressem mais lentamente e sem traumas. Mas as agitações religiosas pareciam inflamar ideais de transformações e de superação da tradição, “como se um mundo novo pudesse ser criado instantaneamente”.
A literatura acabou fomentando utopias como a do país da Cocanha. O anônimo Capitolo, qual narra tutto l’essere d’ um nuovo, trovato nel mar Oceano, cosa bela, et delettevole foi impresso em meados do século XVI (e circulou na região de Modena) apresentava apenas uma entre tantas visões da Cocanha, ambiente de realidade completamente diferenciado da dura vida dos camponeses europeus. A Cocanha era reconhecida na tradição oral por possibilitar uma existência repleta de prazeres e livre de atribulações.
Havia muitas variações sobre o que se podia vivenciar na Cocanha. O Queijo e os Vermes cita alguns trechos do Capitolo que relacionam a Cocanha aos eventos que marcaram as “descobertas marítimas”:
Navegantes do Mar Oceano acharam
há pouco tempo um divinal país,
um país jamais visto nem ouvido.
É claro que a idealização percebida na utopia deve ser entendida como realidade inversa a que os camponeses vivenciavam. Daí as descrições (muitas vezes bizarras) sobre a fartura do lugar:
Uma montanha de queijo ralado
se vê sozinha em meio da planura,
e um caldeirão puseram-lhe no cimo...
Um rio de leite nasce de uma grota
e corre pelo meio do país,
seus taludes são feitos de ricota...
E que tipo de governo um país assim constituído teria? A autoridade ficava a cargo do “rei Bugalosso” que, em vez de impor ordem e obrigações aos que normalmente labutariam, era um glutão grosseiro tal como os mais simples do lugar... Um “comilão” de péssimos modos, que defecava maná, cuspia marzipã e tinha a cabeça repleta de peixes (em vez de piolhos)... Como se vê, uma aberração.
Isso à parte, o “mundo novo” também não reconhecia as instituições a que todos se submetiam na realidade. O texto revela que em Cocanha a liberalidade sexual era total... Certamente as narrativas acerca da nudez indígena feita pelos “cronistas navegantes” levavam muitos (e certamente muitos camponeses) a imaginarem um país em que homens e mulheres passavam nus o tempo todo... E nem mesmo havia condições climáticas adversas que pudessem prejudicar esse comportamento... Assim, durante o dia ou à noite seus habitantes podiam se tocar uns aos outros... E podiam-se ter filhos à vontade porque não havia nenhuma dificuldade em alimentá-los... O texto garantia que “quando chove, caem raviólis do céu”.
Certamente o “mundo novo” expresso no país da Cocanha chamava a atenção dos camponeses europeus (também) porque as mazelas que tão bem conheciam não faziam parte de sua descrição... Em Cocanha ninguém tinha necessidade de trabalhar, e tudo era dividido entre todos... Não havia divisão entre “os da cidade” e “os do campo”... Todos viviam como ricos e satisfeitos devido à abundância do que necessitavam para gozar a boa vida. Já que tudo o que desejassem estava à mão, não havia pobres... Apenas os que ousassem falar de trabalho é que mereciam condenação à morte na forca.
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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