sábado, 29 de junho de 2013

“Decamerão”, de Giovanni Boccaccio – Décima novela do primeiro dia – contada por Pampineia – a história da bela e jovem viúva e das amigas que resolveram troçar do bondoso e velho professor Alberto; é preciso ser prudente e refletir sobre os próprios procedimentos antes de julgarmos os outros; há pessoas que, em vez disso, preferem viver de aparências

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/decamerao-de-giovanni-boccaccio-nona.html antes de ler esta postagem:

Depois da novela de Elisa, restou à própria “rainha do dia” a tarefa de fazer a última narrativa da “primeira jornada”... A novela que contaria, segundo ela mesma, deveria servir de lição às amigas de jornada... Para que não caíssem nos mesmos erros de certas mulheres... E também para que se guiassem sempre pela excelência dos costumes...
Antes da novela propriamente dita, Pampineia fez um prolongado discurso que teve início com considerações sobre a beleza das estrelas nas noites calmas; das flores que enfeitam os verdes prados durante a primavera... E relacionou esses panoramas às nobres frases que fazem parte dos “costumes louváveis e das palavras agradáveis”... Destacou que essas nobres frases são breves e combinam com os lábios das mulheres, mais do que com o dos homens... Sendo assim, aconselha-se (mais) às mulheres para que evitem falar em demasia e sem necessidade... Este mau hábito, de acordo com Pampineia, deve ser por elas evitado.
A “rainha do dia” prosseguiu e lamentou... Disse que os costumes estavam muito alterados... Destacou que poucas eram as mulheres ainda capazes de entender e responder às palavras de um galanteador... Em vez das belas, curtas e sábias frases, as mulheres procuravam se destacar (e assim chamar a atenção) por seus trajes multicoloridos e enfeites por todo o corpo... Davam a entender que era dessa forma que poderiam atrair atenção, elogios e homenagens... Pampineia foi dura em suas palavras, pois concluía que até um asno podia encontrar quem o enfeitasse... E um animal como o asno sustentaria bem mais ornamentos do que a mulher vaidosa e vazia de bons conceitos...
Para finalizar a sua introdução, Pampineia prosseguiu dizendo que as mulheres daquele tipo “tão enfeitadas, tão pintadas, tão cheia de cores” são como estátuas... Elas nada dizem e não têm sentimentos... Aliás, concluía, era preferível que se mantivessem caladas... Arrematou o seu discurso falando sobre as várias ocasiões de diálogo em que, nos galanteios, essas mulheres (e também certos homens) consideram-se em condições de surpreender e ruborizar o interlocutor com suas palavras... Mas Pampineia observou que a falta de precaução podia provocar “efeito contrário”.

Enfim, Pampineia começou a narração de sua novela...

A história passava-se em Bolonha, onde vivia o professor Alberto, um médico muito respeitado, já de avançada idade... Destaca-se que ainda era dotado de “calor natural”, e ele se via apto a nutrir as “chamas do amor”... Então aconteceu que durante uma festa Alberto conheceu a senhora Margaria dos Ghisolieri, uma linda e jovem viúva...
Definitivamente, o médico se encantou com ela... E de tal forma que, desde aquele primeiro encontro, não se conformava em passar um dia que fosse sem ver aquele “rosto formoso e delicado”... É por isso que passou a caminhar ou cavalgar diariamente em frente à residência daquela que “incendiara o seu coração”.
Margarida e outras damas, suas amigas, notaram a insistência do professor Alberto... E passaram a rir dele, já que consideravam ridículo um velho como ele se apaixonar daquela maneira... Achavam o seu comportamento inapropriado, e que “paixão de amor” era apenas para os jovens rapazes.
Numa ocasião Margarida acomodou-se em frente à própria casa junto com suas amigas... Ao longe elas notaram que o pretendente caminhava com os seus amigos e que em pouco tempo o grupo passaria por elas... As mulheres combinaram que iriam recebê-lo com homenagens diversas, mas na sequência iriam rir muito dele... Achavam mesmo que aquilo seria uma lição para o professor Alberto, que perceberia a situação ridícula que ele próprio proporcionava.
E foi isso mesmo o que se sucedeu... Convidaram os homens a um pátio agradável, onde havia várias sombras... Ali se serviram vinhos e doces enquanto conversavam animadamente... Por fim, as mulheres dirigiram-se ao doutor perguntando sobre como é que aquela paixão ousada era possível, já que todos sabiam que a formosa viúva “merecia amor de muitos moços”... Sem dúvida, a situação que se avizinhava era das mais embaraçadas para o nobre doutor.
O professor não titubeou e respeitosamente respondeu que o fato de ele amar não deveria ser motivo para que ninguém se espantasse... Disse que a senhora Margarida era digna de ser amada... E também que entendia perfeitamente o conceito que as pessoas fazem dos mais velhos, que são julgados fisicamente incapazes de ”exercitar o amor”...
Mas sobre essas considerações alheias, observou que todos deveriam levar em conta também que os mais velhos possuem mais experiência do que os moços, pois conhecem melhor a natureza...
Contou que estivera no local em que elas fizeram sua merenda e notou-as enquanto comiam tremoços e alho silvestre... Explicou que no caso do alho, o que há de mais aproveitável é a cabeça... Mas as senhoras (e Margarida inclusive), erroneamente de acordo com o seu entendimento, seguravam o alho pela cabeça enquanto comiam-lhe as folhas... Essas, além de nada valerem, têm péssimo sabor...
Ao terminar de dizer isso, o velho Alberto falou que amava a senhora Margarina sustentando alguma esperança. Pois bem poderia ser que ela escolhesse os seus namorados da mesma forma que procedia ao comer alho silvestre... E se assim fosse, naturalmente ele seria o escolhido dela.
A narrativa causou vergonha às mulheres que perceberam que, além de não terem bons modos, haviam cometido um erro contra aquele amável senhor... Margarida pediu desculpas e disse que ele havia dado uma bela lição a elas... E que havia feito isso de forma elegante... A mulher reconheceu que haviam sido atrevidas demais... Reconheceu que o amor de Alberto poderia fazer-lhe muito bem, e se dispôs a dar-lhe o prazer de permanecer em sua companhia... O professor agradeceu sorrindo... Despediu-se e foi embora com os amigos.
Para Pampineia, o descuido de Margarina ao não ponderar a respeito da pessoa com a qual pretendia fazer troça foi o motivo de sair-se vencida daquela situação... Então finalizou recomendando prudência às amigas.
Fim da décima novela.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/07/decamerao-de-giovanni-boccaccio-o-fim.html
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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