Tertuliano estacionou bem perto do prédio onde morava...
Viu que na calçada do outro lado da rua havia um tipo que voltava o seu olhar para o alto dos prédios...
Por um instante o professor de História arrepiou-se ao imaginar que, assim como procurava pelo ator que era o seu “retrato vivo”, também aquele que conhecera nas fitas de vídeo como Daniel Santa-Clara podia estar à sua procura.
(...)
Mas é claro que aquele raciocínio só podia ser dos
mais disparatados... O Santa-Clara não tinha a menor ideia de sua existência!
A fantasia não durou muito... Tertuliano retomou o propósito de entrar
em casa. Ainda tinha os joelhos trêmulos quando se atirou ao sofá. Aos poucos se
tranquilizou. Desejou uma xícara de café e seguiu para a cozinha. Experimentava
certo desconforto nas pernas... Elas nem pareciam pertencerem-lhe! Retornou à
sala e agiu tão lentamente “como se estivesse ocupado a manipular substâncias
perigosas num laboratório de química”.
Mais uma vez vasculharia a lista telefônica... Olharia
os telefones de pessoas com sobrenome Claro... Seu intento era conferir as
informações contidas na carta.
Novamente perguntou-se sobre o que faria na sequência...
(...)
A lista apresentava muitos
assinantes com o sobrenome Claro, porém apenas seis deles se chamavam
Antônio...
Anotou os telefones...
Estava para iniciar a “caçada”
quando novas reflexões o agitaram... Largou o aparelho e deu algumas voltas
pela sala... Talvez fosse melhor dar prosseguimento à investigação após os
exames na escola... E ainda havia a situação em que se metera ao topar elaborar
o projeto solicitado pelo diretor... Um trabalho inútil! Ninguém daria a mínima
por ele!
Uma coisa era envolver-se numa busca de alguém que não existe (como
ocorrera quando investigou sobre o Santa-Clara)... Outra bem diferente era
dedicar esforços para encontrar (nem sabia se era isso o que queria!) um tipo
que se sabia tão real quanto ele próprio.
(...)
Tertuliano estava vacilante... Nem parecia aquele tipo que quase avançou
sobre Maria, a simples funcionária do banco, para arrancar-lhe a carta das mãos...
Acomodou-se na escrivaninha
e apontou maquinalmente o primeiro dos números... Enquanto ocorria a chamada,
sentia certo alívio ao concluir que ninguém atenderia. Já dava por finalizada a
primeira tentativa quando uma mulher ofegante o atendeu.
Ele calculou que, no
momento em que o telefone disparou a campainha, a dona devia estar distante do
aparelho... Paralisado, não respondeu imediatamente... Isso fez com que a
mulher insistisse em querer saber quem estava a ligar.
Tertuliano
cumprimentou-a com um “boas tardes”... A mulher pôs-se a rir e a dizer que ele
não precisava disfarçar... Ele emendou que queria umas informações... De bom
humor, a dona o corrigiu dizendo que ele conhecia tudo o que se passava na casa
para onde havia ligado.
O professor foi mais incisivo ao dizer que precisava saber se Daniel
Santa-Clara era morador daquela casa... A outra respondeu que logo que Daniel
chegasse diria que Antônio Claro telefonara querendo saber se os dois moravam
no mesmo endereço.
Tertuliano disse que não
estava entendendo por que a mulher falava daquela maneira... Mas antes que
pudesse se explicar melhor, ela interferiu dizendo que era ela quem não o
estava entendendo, pois ele não era dado a esse tipo de brincadeira... Se o
trabalho de filmagem estava atrasado era só dizer-lhe de uma vez.
Quando o professor teve chance de falar revelou que
ela se enganara porque ele não era Antônio Claro.
A dona se espantou... Então quem fizera a chamada não era o seu marido?
Tertuliano respondeu que não... Acrescentou que apenas queria saber se o ator
Santa-Clara morava naquela casa...
A esposa de Antônio Claro disse que por tudo o que
haviam falado era evidente que sim...
O mal entendido foi esclarecido aos poucos, mas a mulher não escondia o
espanto por ouvir uma voz idêntica à do marido. Tertuliano disse que era uma
coincidência... Ela respondeu que não era apenas coincidência... A voz era igual!
(...)
A esposa do Antônio Claro quis saber o nome da pessoa interessada...
Perguntou se era algum admirador do trabalho de seu marido...
Tertuliano não disse como se chamava... Acrescentou apenas que não era
exatamente um fã e que ligaria noutra oportunidade.
Ela ia dizendo que o esposo
perguntaria sobre detalhes do telefonema...
Tertuliano desligou o aparelho.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_15.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto