Tertuliano concluiu que a idade de Antônio Claro devia ser a mesma que ele tinha... As análises de suas aparições nos filmes o levaram a pensar desse modo.
É certo que um era o “retrato vivo” do outro... Mas daí a esperar que os gostos do ator fossem como os seus havia certas peculiaridades que ele não estava levando em consideração...
A verdade é que ao descartar certas mulheres pelas quais passava (julgando que as mesmas não podiam ser esposas do ator), levava em conta unicamente seus gostos e preferências.
(...)
Isso fez com que outra problematização atormentasse os
pensamentos de Tertuliano... Julgou que era preciso saber qual dos dois era o “duplicado”...
Afinal não era possível que ambos tivessem nascido no mesmo instante... Um dos
dois era o “original”.
A possibilidade de ser o “mais novo” avizinhava-se como condição daquele
que é “cópia” ou “repetição”... Isso não o incomodava anteriormente porque o
fato de ter sido quem descobriu a infeliz duplicação parecia conferir-lhe uma “consciência
de primogenitura”... As ameaças que notava eram como as de “um ambicioso irmão
bastardo” que do nada aparece para destroná-lo.
(...)
Tão absorvido estava nesses pensamentos que nem notou
que chegou à rua onde morava ainda disfarçado com a barba... Arriscou-se mesmo
a ter o carro conhecido por algum vizinho enfurecido ao notar que “roubavam-lhe”
o automóvel.
Nada disso ocorreu... Tertuliano estacionou o carro e entrou no banheiro
de um centro comercial para retirar a barba.
Ao chegar a casa, ouviu a mensagem de Maria da Paz na secretária
eletrônica... Ela queria apenas saber se estava tudo bem com ele...
Tertuliano pensou que poderia telefonar-lhe ao anoitecer... Mas a ideia
que não saía de seus pensamentos era a de imediatamente entrar em contato com o
Daniel Santa-Clara.
(...)
A chamada ao número do Santa-Clara não tardou a ser atendida...
A esposa do ator quis saber
quem estava falando... Tertuliano anunciou o seu desejo de falar com o senhor
Daniel... Emendou que não valia a pena revelar o próprio nome, já que ninguém
na casa o conhecia.
A mulher respondeu com
certa indignação que também ele não os conhecia, mas sabia o nome do dono da
casa. Tertuliano explicou que era natural, já que o marido dela era figura
pública por se tratar de ator de filmes para o cinema.
Como a outra mostrou
que a argumentação não tinha sustentação já que “todos andamos por aí” e “somos
mais ou menos públicos”, Tertuliano não teve como não identificar-se... Disse
que se chamava Máximo Afonso.
A esposa de Antônio Claro pediu que ele aguardasse um instante... Depois
de breve instante, o ator atendeu ao telefonema...
E foi como se fosse “um espelho” replicasse a voz de
Tertuliano.
O tipo perguntou o que ele
desejava... Dessa vez o professor apresentou-se com o nome completo e emendou a
sua ocupação com as aulas de História no Ensino Secundário.
O ator observou que a esposa havia lhe anunciado um
nome mais curto... Tertuliano explicou que era apenas para “abreviar” que
omitira o primeiro nome.
Antônio Claro insistiu em saber qual era o objetivo do telefonema... Tertuliano
perguntou se ele estava notando que suas vozes eram idênticas.
Sim... Antônio Claro só podia concordar. Tertuliano
revelou que tivera várias oportunidades para comparar... Contou que assistira a
vários filmes desde o “Quem Porfia Mata Caça” até o “A Deusa do Palco”.
O ator respondeu que se sentia lisonjeado, pois jamais consideraria a
possibilidade de aqueles filmes todos interessarem a um professor de História.
O tipo destacou que os papéis que vinha representando nos últimos tempos eram
bem diferentes daqueles do começo de carreira.
Tertuliano disse que tivera boa razão para assistir aos filmes...
Era sobre essa “boa razão” que gostaria de falar...
Mas pretendia fazer isso pessoalmente.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_20.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto