segunda-feira, 17 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – conhecendo e vigiando o endereço do Antônio Claro; suposições sobre a composição da família e seus afazeres; nenhum contato

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-fim_16.html antes de ler esta postagem:

Na manhã seguinte, Tertuliano dispôs-se a visitar o bairro de Antônio Claro...
Arrumou a barba postiça no rosto e colocou um boné... Decidiu que esconder os olhos com óculos escuros lhe daria um aspecto muito suspeito, e não seria de estranhar que isso resultasse em perseguições dos que viviam na redondeza.
Não esperava descobrir grandes coisas nessa primeira incursão... Sua missão atendia muito mais às expectativas de quem nutre curiosidades sobre o local e as pessoas de convívio de alguém que focalizamos à distância.
Não se passava pela sua cabeça a possibilidade de flagrar o ator chegando de sua rotina de filmagens... Seria muita coincidência!
(...)
Tertuliano permaneceu por meia hora nas proximidades do edifício onde morava o Antônio Claro...
Observou algumas vitrines e adquiriu um jornal para ler o noticiário, também para não chamar a atenção das pessoas.
O ator não entrou nem saiu do endereço... Talvez estivesse ocupado com as obrigações que tinha com a produtora... Talvez tenha se retirado da cidade para encaminhar os filhos (se é que os tinha) de férias à casa dos avós...
Essas suposições fizeram-no pensar também a respeito da esposa de Antônio Claro... Podia ser que ela trabalhasse para garantir certa (ou suposta) autonomia... E, considerando os vencimentos de um ator secundário, não se podia descartar a possibilidade de a mulher ter de completar a receita do lar.
Isso à parte, evidentemente não havia como não levar em conta que tudo indicava que a carreira do Santa-Clara tinha sido de ascensão... O papel em “A Deusa do Palco” era reconhecidamente o mais importante que havia desempenhado até então...
Era bem provável que as perspectivas fossem das melhores para o Antônio Claro.
(...)
Depois de tanto conjecturar a respeito das vidas de Antônio Claro e de sua família, Tertuliano notou que não podia mais permanecer no café onde havia se instalado... Não podia garantir que o seu disfarce não falharia em algum momento.
Foi para não estabelecer contatos muito próximos com os tipos do lugar que, em vez de solicitar a conta ao atendente, resolveu deixar o dinheiro sobre o balcão... Saiu, atravessou a rua, entrou numa cabine telefônica e registrou o número do Antônio Claro.
Não diria nada... Apenas ouviria e assim saberia se havia alguém na casa. Ninguém atendeu... Nem mesmo uma criança a explicar que os pais não estavam...
O ator devia estar nas filmagens como “polícia de estrada ou de empreiteiro de obras públicas”... Podia ser que a esposa trabalhasse... Por que não?
(...)
Depois de sair da cabine, Tertuliano observou a hora. Calculou que nem o Antônio Claro nem a esposa apareceriam em casa para almoçar.
Neste instante mesmo uma dona passou por ele. Ela atravessou a rua dando a impressão de que iria se acomodar no terraço do café, mas em vez disso seguiu adiante e entrou no prédio que ele esteve a vigiar.
Tertuliano teve a sensação de que aquela só podia ser a esposa do Antônio Claro... Saramago observa o “excesso de imaginação” do professor que (lidando com a História) devia se interessar mais por fatos do que por suposições.
Que situação! Ele nem conhecia a mulher!
Mas ele podia facilmente comprovar o que estava imaginando... Bastaria aguardar que ela se encaminhasse ao elevador e chegasse ao quinto andar, onde se localizava do apartamento...
Deu um tempo para que ela se acomodasse... Telefonou novamente.
Aguardou até o último sinal de chamada... Ninguém atendeu... Aquela não era a esposa de Antônio Claro.
(...)
Não se pode dizer que a saída a campo fora improdutiva.
Mais nada havia a se fazer por ali...
Enquanto se encaminhava para o carro estacionado num local a pouca distância do café, Tertuliano resolveu observar as mulheres do passeio...
Em seu pensamento definia o tipo de mulher (nem muito velha nem muito nova) que podia ser esposa do ator que contava os trinta e oito anos, que era também a sua idade.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto 

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