domingo, 23 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – reconhecendo o território de Tertuliano; o duplicado era tão inconveniente quanto uma hidra; o professor inicia o projeto, o ator estuda um roteiro; Helena chega mais tarde

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_22.html antes de ler esta postagem:

Poderia tirar proveito do fato de ter um tipo que era um “seu igual”? De alguma forma poderia “lucrar” com a situação.
A essa altura do texto não temos a menor ideia do que Antônio Claro pudesse planejar... Certamente não poderia envolver o professor de História em algum projeto da produtora que fosse desagradável para o próprio ator... A substituição ficaria muito aquém.
Enquanto terminava o seu café, Antônio Claro resolveu que poderia sair de carro e dar uma passada pela rua onde o professor morava... Conheceria o prédio e a vizinhança... Analisaria os tipos que circulam pela região.
(...)
Não teve a menor dificuldade em obter o endereço do outro... A lista telefônica estava ali também para essas emergências.
É isso mesmo... A mesma ideia que instigara Tertuliano chegara aos pensamentos do ator. Podemos dizer que ambos vivenciaram estímulos muito semelhantes... Daí a coincidência nas atitudes.
E não é só isso... Também ele preocupou-se com um disfarce... No seu caso não havia muito esforço a se fazer... Em uma de suas gavetas estava o bigode com o qual atuara como recepcionista de hotel em “Quem Porfia Mata Caça”.
Há que se ressaltar que, enquanto Tertuliano buscou o banheiro de um centro comercial para se disfarçar, Antônio Claro arranjou-se com a maior naturalidade no banheiro do próprio apartamento... Ninguém o interpelaria por sair com o bigodinho que bem poderia fazer parte de algum personagem dos filmes nos quais trabalhava com regularidade.
(...)
Antônio Claro dirigiu por cerca de uma hora... Ao analisar o mapa da cidade verificou o que já sabemos... Tertuliano residia do outro lado.
A iniciativa se resumia a chegar ao local e rodar pelo quarteirão passando umas três vezes em frente ao prédio do professor.
É bom que se saiba que não haveria a menor chance de topar Tertuliano pela rua porque o mesmo resolveu dedicar-se diante às reflexões sobre a proposta pedagógica que teria de preparar a pedido do diretor. Por isso não deixou a escrivaninha um só instante.
Sem fornecer maiores detalhes, Saramago adianta que Tertuliano jamais voltaria a entrar numa sala de aulas.
(...)
O ator não viu nada de muito importante... Uma rua comum, “um prédio igual a tantos”... E é só isso.
Tertuliano vivia no segundo andar, exatamente no apartamento localizado no lado direito do edifício... Antônio Claro ainda não tinha como mensurar a grandeza do fenômeno que aquele tipo representava... Algo tão espetacular como a hidra de Lerna.
Neste ponto ainda não sabemos qual dos dois veio ao mundo primeiro... O que nasceu depois só podia ser visto como um estorvo.
A grande cidade era pequena para os dois... Só se podia esperar confusão. Podiam passar a vida sem se conhecerem. Mas pelo visto um encontro se tronava cada vez mais inevitável.
Também a hidra era inconveniente... Ocupava ”um lugar que não era o seu”... Por isso Hércules a matou.
(...)
Reconhecimento realizado, sem ter mais o que fazer no bairro de Tertuliano, Antônio Claro retornou à sua casa... Precisava trabalhar no roteiro que vinha estudando exaustivamente nos últimos dias. Seu próximo papel seria de um advogado e precisava decorar falas e gestos.
Depois sairia para almoçar e voltaria aos estudos até a chegada da esposa.
Tanto se esforçara que os resultados não tardaram. Ainda não chegara a despontar como ator de primeira linha, mas a crítica vinha reconhecendo a sua interpretação, e era certo que seu nome apareceria no cartaz de divulgação do próximo filme.
(...)
Tanto pensou sobre as possibilidades de ir além do que o roteiro solicitava que voltou a pensar nas ruas do bairro de Tertuliano... Pensou também no tipo que tinha voz idêntica à sua...
Era preciso tirar algum proveito de toda aquela história... De modo algum aceitaria passivamente a intromissão em sua vida e o diálogo que ousara manter com sua esposa.
Mas não estava tão convicto sobre o modo como devolveria a ofensa.
Helena chegou um pouco mais tarde do que o habitual... Atribuiu o atraso ao trânsito mais carregado.
Antônio poderia confirmar porque ele também havia saído pela cidade... Mas não quis entrar em detalhes.
Também Helena não pretende falar a respeito do que fizera durante o dia.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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