quarta-feira, 12 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – o professor reconhece que não estava preparado para ir ao endereço do seu “espelho vivo”; disfarçar-se e parecer-se cada vez mais consigo mesmo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_11.html antes de ler esta postagem:

O Senso Comum deixou claro que a ação de Tertuliano (guiar o carro até o endereço de Antônio Claro) não podia ser classificada como imprudente... Tratava-se de uma “estupidez das grossas”...
O professor disse que não via nada demais... O Senso Comum arrematou que a cegueira de espírito também pode ser conhecida pela estupidez do sujeito. Depois filosofou dizendo que “o gato tinha o rabo de fora”, mas Tertuliano não o reparara...
O moço reclamou que não estava para adivinhações, sendo assim era melhor que o outro fosse direto ao assunto.
Senso Comum explicou que do nome Claro se criara o pseudônimo Santa-Clara... Tertuliano corrigiu dizendo que não se tratava de pseudônimo, mas sim de nome artístico. Afinal o que aquilo tinha a ver com rabo de gato? O Senso Comum revelou que bastava procurar os números dos telefones dos “Claros” e certamente chegaria ao que ele estava procurando.
Tertuliano respondeu que nada daquilo interessava porque já tinha o que precisava... O Senso Comum o alertou sobre o disparate de ir ao endereço do “retrato vivo”... Será que não lhe ocorria de a esposa do Antônio Claro o avistar e, pensando tratar-se do marido, solicitar que suba para o apartamento ou pedir que ele vá à farmácia para providenciar certos medicamentos?
Para Tertuliano essas e outras possibilidades aventadas pelo Senso Comum não passavam de absurdas... Então o invisível perguntou sobre o que ele faria se, andando pela calçada a olhar para os prédios e para a redondeza, lhe aparecesse o próprio Antônio Claro à frente...
Certamente o tipo ficaria atordoado ao avistá-lo, um “espelho vivo”!
(...)
Tertuliano pensou por um instante e depois respondeu que não poderia sair do carro. Também essa ideia não era de todo segura... O Senso Comum explicou que imprevistos sempre acontecem aos motoristas... Por diversos motivos os veículos acabam parados por um bom tempo em engarrafamentos... Num caso como esse ele ficaria muito exposto... E o que faria se alguma vizinha o reconhecesse como o ator e iniciasse um diálogo a respeito de seu próximo filme...
Coisas assim podiam ocorrer...
Evidentemente o Senso Comum não tinha a menor ideia do que Tertuliano devia fazer... Estava ali para disparar o seu alerta... Era só isso. O professor pensou sobre o que ouviu e respondeu que a solução seria apelar para um disfarce.
(...)
O professor nem tinha ideia de como ou de quê poderia se disfarçar. Sem dúvida o Senso Comum o trouxera à razão.
O próprio Tertuliano sentenciou que o melhor que tinha a fazer era voltar para casa... Sugeriu que o Senso Comum permanecesse um pouco mais com ele... Mas a entidade explicou que não devia aceitar o convite... Disse que não era bom para a criatura humana ter o Senso permanentemente em sua companhia... Era preciso que a pessoa se responsabilizasse e tomasse decisões por conta própria... O “arriscar-se” também fazia parte.
Tertuliano não entendeu muito bem aquelas palavras... Tanto é que questionou o fato de até o momento ter sido repreendido pelo Senso Comum em todas as iniciativas... E citou o caso da carta à produtora.
O Senso Comum chamou-lhe a atenção... Não era possível que ele não conseguisse perceber o quanto havia sido cafajeste com a Maria da Paz... No lugar dela, teria lido a carta e a jogaria em sua cara, exigindo que pedisse perdão de joelhos.
(...)
O professor não respondeu... Apenas sentenciou que era daquela maneira que o Senso Comum procedia... O invisível concordou que pelo menos assim devia proceder.
Tertuliano se despediu afirmando que teria de pensar no disfarce...
O Senso Comum respondeu que quanto mais ele se disfarçasse, mais ficaria parecido consigo mesmo.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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