terça-feira, 11 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – ansiedade e frieza ao receber a carta; uma fotografia autografada; reconhecimento e valorização do trabalho sobre os atores secundários; Tertuliano tem o endereço do Santa-Clara que na verdade se chama Antônio Claro; Senso Comum reaparece

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_8.html antes de ler esta postagem:

Maria da Paz comunicou que havia recebido a correspondência da produtora...
Tertuliano ficou emocionado ao mesmo tempo em que uma série de preocupações o dominou.
Maria quis saber se devia aguardá-lo no banco em que trabalhava ou se podia levar-lhe mais à tarde.
O professor queria saber se ela abriu o envelope, se acessou o conteúdo... Evidentemente não disse nada disso... O mais rápido que conseguiu, respondeu que iria ao banco para encontrar-se com ela.
(...)
Se tivesse pensando que seria convidada a ouvir o conteúdo da carta, Maria teria uma grande decepção... Sua índole não permitia rasgar o envelope para conhecer a resposta que havia sido remetida a ela mesma.
Podemos imaginar que a curiosidade pudesse levá-la a isso... Todavia ela o aguardou.
(...)
Em menos de uma hora o professor chegou à agência. Perguntou pela funcionária... Mas nem precisou entrar em maiores detalhes porque a da Paz o viu desde a sua mesa de trabalho e se aproximou do balcão com a carta.
Quem os visse não poderia imaginar que tivessem qualquer relação que envolvesse sentimentos... Não trocaram saudações... Ela entregou-lhe a encomenda... Ele recebeu e se despediu dizendo um “até logo” e prometeu telefonar-lhe depois.
(...)
Tertuliano andou apressadamente pela rua... Havia deixado o carro numa garagem de subsolo a considerável distância do banco. Protegeu a carta no bolso interno do casaco como se a qualquer momento alguém pudesse arrebatá-la.
Demorou-se a encontrar a vaga onde estacionara o veículo... Tinha intenção de abrir o envelope apenas depois de chegar a casa... Mas não resistiu à tentação ao ver-se protegido pela penumbra do local e interior do carro.
Acionou a iluminação interna... Rasgou a lateral do envelope e logo notou uma fotografia e um papel. Reconheceu-se na fotografia autografada por Daniel Santa-Clara.
O papel esclarecia que o nome verdadeiro do autor era Antônio Claro... Daniel Santa-Clara era seu “nome artístico”. Por incrível que pareça, os registros no papel informavam o endereço do ator... Aquilo só podia ser uma excepcionalidade!
A produtora justificava a iniciativa por ter considerado a carta de Maria da Paz muito bem fundamentada, merecedora de reconhecimento e de incentivo no “estudo sobre a importância dos atores secundários”.
(...)
Não há dúvida... Tertuliano encheu-se de orgulho ao experimentar o triunfo de sua iniciativa... Sentiu-se relaxado... Nada de tremores, suor ou nervosismo.
Organizou os papéis no envelope e tomou posse de um “guia da cidade” que carregava num dos compartimentos da porta do carro. Abriu o livro para procurar a rua onde o Antônio Claro (até então conhecido como Daniel Santa-Clara) vivia.
Abriu o mapa sobre o volante e conferiu que a rua ficava num bairro distante do centro... Tertuliano não se lembrava de ter passado por ela em alguma ocasião...
A vontade que o invadiu foi a de conhecer naquele mesmo instante a rua, os prédios e a gente que frequentava os arredores de onde o ator vivia.
(...)
Acertou-se com o caixa que cuidava de receber o pagamento pelo estacionamento do veículo e guiou rumo ao endereço...
O trânsito estava bem carregado, mas ele não se importou... Manteve-se calmo, pois tinha tempo suficiente para alcançar a rua... Ela não seria deslocada para nenhum outro lugar.
O carro teve de parar porque o sinal acendeu o vermelho... Tertuliano batia a ponta dos dedos no volante enquanto aguardava a vez de passar... Foi nesse instante que o Senso Comum resolveu aparecer.
O invisível o cumprimentou... Tertuliano respondeu imediatamente que não o havia chamado... O Senso redarguiu que nunca houve ocasião em que chegou junto a ele para uma conversa porque tivesse sido chamado.
Tertuliano explicou que jamais vira motivos para chamá-lo... Principalmente porque já sabia de antemão o discurso que teria de ouvir... Aquela ocasião era típica! Era certo que o Senso diria “pense bem, não se meta nisso, é uma imprudência”...
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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