O tenente Miro passou uma noite inteira no acampamento... Pela manhã, uma ambulância o conduziu à Santa Casa de Misericórdia na capital. A viagem durou cerca de oito horas...
Ficou internado por uns três meses, e quando foi liberado já não havia mais guerra...
(...)
A guerra é cruel...
Todos sofrem...
Mas não há como negar que os que vivenciam os combates
e estão sob a mira das armas de fogo são os que se tornam “atores de um cenário
infernal”...
Esses conhecem o terror.
(...)
As autoridades dirigentes e os poderosos senhores da economia permanecem
atentos aos resultados do confronto sem manifestar interesse sincero pelo
destino dos que combatem.
(...)
No final do texto de Faustino vemos Tião e Bento no centro
da narrativa... Justamente dois tipos que passam pela vida como “personagens
invisíveis”...
Eles perceberam que o conflito estava próximo do fim... As trocas de
tiros e as explosões tinham diminuído... Ao seu alcance tinham os últimos
cigarros “quebra-peito”... Então puderam trocar umas ideias a respeito dos
amigos que se foram (John estava preso; Luvercy morreu; Landão foi retirado do
front e certamente não conseguiria se recuperar da depressão que o assolava...).
Fumavam e conversavam... O que podiam esperar mais?
Já que não tinham ouvido nenhum boato a respeito de Miro, e como notícia
ruim “se espalha rápido, mais do que batedor de carteira em estação de trem”, era
certo que ele ainda estivesse vivo...
(...)
Tião disse ao amigo que São Paulo devia colocar um fim à guerra... Se
isso não ocorresse, a guerra acabaria com os paulistas.
Mas a guerra ainda não chegara ao seu final...
Embora aquela madrugada de
1 de outubro tivesse atmosfera de calmaria e lua cheia, os dois amigos e mais
os cinco soldados de seu grupamento (todos moralmente arrasados) corriam grande
perigo...
Eles estavam cercados pelas
tropas federais e sabiam que só mesmo um milagre poderia livrá-los de um
massacre.
Tião deu a sua opinião:
deviam “bater em retirada”... Bento sugeriu que ainda poderiam utilizar táticas
de guerrilha, atraindo os inimigos para o ponto onde estavam e atacando de
surpresa pelas laterais...
De repente, Bento
topou “segurar a retaguarda” enquanto Tião conduzisse a retirada dos demais companheiros...
Eles atravessariam um riacho, passariam por uma elevação e alcançariam a
ferrovia, onde aguardariam a chegada de reforços.
(...)
Bento ficou sozinho...
Ele estava mergulhado em
pensamentos deprimentes... E não era apenas pela morte dos amigos e as
dificuldades do momento... Corriam notícias sobre o despejo em massa dos
antigos cortiços e casarões em São Paulo... Era muita ingratidão com a gente
negra que estava se sacrificando pelo estado.
Na sequência, ele gritou para que Tião se apressasse
na retirada... Depois começou a atirar contra as posições onde esperava atingir
os inimigos... Eles logo partiram para cima dele.
A munição de Bento acabou em pouco tempo, então restou o combate
corpo-a-corpo... Seus rápidos golpes com a baioneta foram eficientes e alguns
adversários tombaram mortos.
Tanto se debateu que nem notou que já tinha sido
atingido por um balaço... Também a baioneta tornou-se imprestável, mas ele não
abandonou o combate e continuou a desferir golpes com a sua navalha... Uns dez
inimigos foram mortalmente atingidos.
Finalmente um oficial conseguiu cravar a sua espada nas costas de
Bento... E mesmo assim ele conseguiu se virar para acertar um golpe final
contra a jugular do algoz... Ambos foram ao chão.
(...)
Bento resgatou de seu bolso uma fotografia de sua querida Madalena... Pediu
à imagem no papel que rezasse por ele, e que adiantasse aos que habitam o céu
que ele não os deixaria em paz porque, mesmo com a morte, continuaria a ser o “rei
da tiririca”.
Este foi o seu último ato.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto