Conforme o acertado com o doutor Guaraná Santana, Miro e o amigo jamaicano John foram integrados à caravana da Legião que rumou para Santana do Parnaíba e, de lá, para Pirapora do Bom Jesus... Depois o grupo seguiu para São Roque e Sorocaba...
As atividades foram intensas, os comícios renderam arrecadação de donativos e novos alistamentos. Mas a caravana logo retornou para São Paulo depois que se soube que o doutor Guaraná Santana havia sido substituído por José Bento de Assis, advogado e professor da Faculdade de Direito.
(...)
Sobre Bento de Assis,
dizia-se que ele pouco representava para o movimento negro.
Santana deixou de ser o comandante civil da Legião
Negra... Ninguém confirmava o motivo de sua saída, mas havia comentários a
respeito do desvio de dinheiro arrecadado em comícios, e também sobre o seu
envolvimento com a esposa “de alguém muito importante”... Também se disse que ele
incomodou muita gente com os seus protestos contra o tratamento dispensado aos
soldados negros pelos dirigentes brancos.
Apesar de todo falatório, o doutor Guaraná prosseguiu em campanha pelo
interior e litoral do estado... A sua orientação para que Miro recebesse a patente
de cabo foi cumprida...
Miro conseguiu a permissão de ser constantemente
acompanhado pelo “soldado mudo”.
(...)
No retorno à Chácara do Carvalho, Miro conheceu Tião e Bento... Ele
notou que aqueles dois eram soldados folgados... Viu que Bento era um malandro
de primeira que gostava de se perfumar. Percebeu também que os dois se
retiravam escondidos após o almoço para cochilar... Em vez de puni-los, o cabo ria-se
a valer da traquinagem.
Aos poucos se formou um grupo de soldados mais chegados ao Miro... Além
do ajudante de ordens, o “soldado mudo” João Marcolino, também Luvercy foi
integrado logo que chegou...
Não demorou e Miro tornou-se primeiro-sargento. A ele coube liderar uma
das tropas que se dirigiu para o Vale do Paraíba... John Washington considerava
a ascensão do amigo bem merecida, mas ao mesmo tempo achava que as promoções militares
no exército revolucionário tinham pouco a ver com mérito... Ele não deixava de
gracejar a esse respeito.
(...)
Antes de seguirem para o
trem, o grupamento de Miro assistiu a uma missa celebrada por Franz Mathäus, um
padre alemão de forte sotaque... Ele acompanharia a tropa em sua missão bélica.
O padre aproveitou o sermão
para fazer duras críticas à religiosidade dos afrodescendentes... Tratando o
confronto que os aguardava como um mero detalhe, Mathäus insistiu que todos ali
deviam aceitar Jesus Cristo e o Catolicismo porque “todo o resto é bruxaria,
macumba, feitiçaria”...
No mesmo instante, o
soldado “Tonhão da Casa Verde” começou a tremer-se todo e a falar de modo
estranho... Alguns o conheciam e sabiam que sua mãe tinha um terreiro de
umbanda e que ele era “filho de Ogum”... Os mais entendidos notaram que Tonhão
havia “recebido um caboclo” e até quiseram se aproximar para receber um passe.
Mathäus ficou nervoso com a cena e passou a aspergir água benta no
soldado que havia incorporado uma entidade e que pedia charutos aos que se
aproximavam... A iniciativa exorcista não produziu resultados.
A situação só se tornou
mais serena depois que um dos fardados saiu de sua fileira, pediu licença,
segurou a cabeça do companheiro apoiando-a com suas mãos na nuca e na fronte...
Ele disse algo perto de seu ouvido e depois soprou.
O padre não se conformou por perceber que ele não tinha
as habilidades simples e eficazes para lidar com o possuído... Os demais
reagiram com risos... De sua parte, o religioso os alertou que durante a
expedição que fariam não admitiria “guias e patuás nos pescoços e bolsos dos
combatentes”, e reagiria contra os que fizessem despachos com velas e charutos
nos acampamentos que levantariam.
(...)
A sequência da celebração foi marcada por “benzeções” e hinos
religiosos...
Durante toda a madrugada o
som de atabaques chegou aos ouvidos do sacerdote... Os rituais da umbanda não
foram abandonados...
Mathäus entendeu que a tropa gostava mesmo de
uma “roda de samba”... Que situação! Como eram displicentes! Pelo visto não sobreviveriam
aos conflitos.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto