Enquanto Tião e Luvercy evitavam atirar contra os federais, Bento parecia se divertir e imaginava que eles caíam como “um mourão”... Ria-se a valer porque de certa forma a sua fama de “rei da tiririca” prosseguia em pleno conflito armado. Ele não se esquecia das homenagens que recebia dos companheiros da Barra Funda quando ao se aproximar das rodas (“mourão, mourão, catuca por baixo que ele cai”), e em sua mente era isso o que ouvia enquanto disparava a sua arma...
(...)
Miro se identificava tanto com o seu grupo de soldados mais chegados que
cada vez mais se tornava difícil diferenciá-lo entre os comandados... Suas
ordens eram carregadas de orientações e cuidados para garantir a sobrevivência
dos amigos.
Tião percebia o vacilo do
sargento e brincava com a “nenhuma ameaça” que aquela tropa representava ao
governo federal.
(...)
Foi na ocasião de fogo cruzado, enquanto rumavam para
Cruzeiro, que Tião percebeu que um soldado federal surgiu de repente por trás
de uma rocha e apontou sua arma contra a cabeça de Miro... Sua reação foi
imediata e seu tiro foi certeiro contra aquela ameaça real.
Mas sua reação foi de
perplexidade, pois percebeu que ele também era capaz de matar... Miro quis que
ele entendesse que não podia pensar no cadáver como alguém que tem uma
“história de vida”... Se não pensasse dessa forma, não conseguiria atirar em
mais ninguém... O outro era “inimigo” que tinha desejo de matá-los, então devia
ser odiado por eles.
Essas palavras não trouxeram equilíbrio para Tião...
Em vez disso, ele começou a atirar para tudo quanto era lado... Alucinadamente,
gritava que os “porcos” (inimigos) não o matariam... Seu rosto estava banhado
de lágrimas.
É claro que sua atitude desvairada denunciava aos inimigos o local exato
para onde deviam dirigir os seus ataques... E foi isso mesmo o que aconteceu...
Mas enquanto os demais se esconderam atrás de rochas, Tião não se continha e
por isso se tornava um alvo fácil...
Miro percebeu quando uma granada inimiga estava para atingir terreno
próximo ao amigo tresloucado, e só teve tempo de puxá-lo e protegê-lo dos
estilhaços que se espalharam...
Miro salvou a vida de Tião!
Tião e Miro entenderam que estavam “empatados”. Em pouco tempo um salvou
o outro...
(...)
Era grande a quantidade de feridos... Boa parte deles tornou-se
incapacitada para o prosseguimento da temerária campanha militar... Entre os
sobreviventes pairava a incerteza a respeito de sua sorte.
À noite os soldados se sentiam sobrecarregados... Também suas reflexões
eram inquietantes... Luvercy perguntou o que faziam ali... Bento enrolava o seu
cigarro, permanecia calado e pensativo.
Miro tentou responder que a
guerra servia para “inventar heróis”... Tião tentou corrigir afirmando que os
heróis existem, e o próprio sargento podia ser considerado o seu herói por
tê-lo salvo...
Heroísmo ou instinto? Miro quis dizer que reagiu ao evidente perigo que
o amigo corria, apenas isso.
(...)
Os soldados estavam arrasados... Alguns
choravam... Espalhados pelo terreno, sentados ou deitados, fumavam em silêncio e curtiam sua solidão.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto