A madrugada tornou-se mais fria e agressiva na medida em que a fogueira resumiu-se a brasas e cinzas... Então Luvercy despertou e se dirigiu à grande pedra para encontrar-se com o pai.
A escuridão era assustadora, mas era o silêncio quase absoluto que mais o intrigava... Luvercy aproximou-se do sítio. Porém, em vez de encontrar o pai desperto, notou pela posição de suas botas que ele só podia estar dormindo sossegadamente.
O rapaz chegou mais perto e viu que Landão estava sob a mira de um rifle apontado por soldado inimigo... Não havia como ele escapar da morte porque o cano da arma estava muito próximo de sua cabeça.
(...)
Foi
por puro instinto que Luvercy soltou um forte grito chamando o pai... Landão
despertou e teve reflexo suficiente para desferir um golpe de baioneta contra a
garganta de seu algoz...
Ouviu-se um tiro...
Banhado
de sangue, o tipo caiu sobre Landão... Foi difícil se livrar daquele cadáver, e
só depois disso é que ele viu que o filho também estava estirado no chão... O
peito do rapaz estava perfurado pela bala que originalmente devia atingi-lo...
Luvercy
só teve tempo de pedir ao pai que dissesse à mãe que ele havia cumprido a sua
promessa.
(...)
Uma
ventania anunciou a chegada de forte tempestade...
Dona
Arminda se apressou a recolher as roupas que estavam estendidas no varal... As
filhas adiantaram-se e saíram para socorrê-la.
No
instante mesmo em que recolhia a camisa que Landão esperava ver no filho após a
guerra, gotas pesadas despencaram... Então um aperto no coração não deixou
nenhuma dúvida...
Seu pressentimento estava correto, e é por isso que
aos prantos gritou o nome do seu garoto... As quatro filhas se agarraram a ela
e também choraram demais...
A forte chuva enlameou o
quintal, as mulheres foram ao chão e, com elas, as roupas do varal.
(...)
No longínquo Vale do
Paraíba do Sul, Orlando enfureceu-se. Começou a atirar para tudo quanto era
lado onde pudesse haver inimigos...
Os disparos
despertaram os demais companheiros... Eles logo encontraram Luvercy.
O
pai se aproximou e beijou a face do filho... Depois pronunciou que tudo o que
ele queria era jogar futebol... Landão estava arrasado e era a si mesmo que
dizia que não tinha conseguido cumprir a promessa (de levá-lo a salvo à dona
Arminda).
(...)
É claro que Landão
tornou-se depressivo logo após a morte de Luvercy... Ele foi flagrado falando sozinho e amargurado sobre a catástrofe de tê-lo perdido... “Era apenas um menino”...
Os
amigos também sentiram a perda. Não se esqueciam do momento que passaram junto
à fogueira ouvindo a narrativa de Miro... Lembraram que ele havia sido o único
a tirar conclusão a respeito da mudança na vida do comandante (que deixou de
ser um “moreno envergonhado” e tornou-se “valente negão orgulhoso de seu
povo”).
Bento
e Tião viam que o comportamento de Landão (que se aproximou mais deles) era apenas um exemplo do quanto sofriam limitações naquela
empreitada... Notaram também que Miro, antes abstêmio, ingeria da
garrava de aguardente sem cerimônia.
(...)
Num momento em que falavam de Luvercy, Miro disse que gostaria de ter frases
do jovem em seu epitáfio. Falava sobre isso aos amigos e bebia da cachaça
quando um coronel apareceu em seu imponente cavalo marrom... O homem chegou
advertindo que aquela bebedeira toda só anteciparia o epitáfio...
Miro dirigiu seu olhar ao tipo e surpreendeu-se
ao notar que o coronel era ninguém menos que Nelópidas Dalla Rosa Filho.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto