Vimos que Miro havia se despedido do jamaicano John Washington no instante em que se aproximavam da pensão onde estava hospedado... Ele viu iluminação no quarto, então tratou de subir a escada para conferir o que estava ocorrendo.
A porta não estava trancada... Ao empurrá-la, pôde ver Neo, seu amigo de infância e sobrinho da madrinha Berenice... O rapaz estava deitado na cama e seu estado era deplorável... Ao tentar se levantar acabou esbarrando em uma garrafa de aguardente das fortes... O chão se encheu de cacos.
Miro quis saber como ele o encontrara... Visivelmente embriagado, Neo explicou que a tia lhe dissera a respeito da carta e o incumbira de encontrá-lo... Disse que tinha a resposta, uma “cartinha cheirosa” da madrinha.
O rapaz emendou que sabia que ela sempre gostou muito mais do afilhado do que do sobrinho, um legítimo Dalla Rosa. Neo jamais admitira que Miro, que nem era da família, recebesse tratamento digno de um membro do clã.
(...)
Só
depois de várias provocações é que ele entregou a carta.
Estava
claro que o embriagado só havia conseguido entrar na pensão porque tinha
apavorado o senhor Severo, porteiro responsável pelo turno da noite.
(...)
Algum
tempo se passou até que Neo voltasse a se manifestar... Então revelou que
estava fugindo do pai, o major Nelópidas Dalla Rosa, que insistia em fazê-lo
cumprir a sua obrigação de, como os demais filhos da aristocracia paulistana,
engajar-se no Exército.
Miro
quis que Neo entendesse que não havia nenhum absurdo na postura do senhor
Nelópidas, pois a guerra era uma realidade que exigia o envolvimento de
todos... O rapaz mimado argumentou que se tratava de um artista e que nada
podia obrigá-lo a participar da revolução. Disse que a sua condição era de
quem, fazendo uso de tintas e pincéis, se dedica ao culto à beleza... Assim,
desprezava totalmente as armas e o ato de tirar a vida de outras pessoas.
Miro
demonstrou que compreendia os sentimentos do amigo... Mas de sua parte tinha a
dizer que no dia seguinte participaria de um comício da Legião Negra, pois
tinha a intenção de se engajar na revolução alistando-se num batalhão de
negros.
Neo pareceu surpreso, mas Miro garantiu que ele não
precisava ficar melindrado ou se esforçar para não constrangê-lo... Todos o
enxergavam como negro, e era assim mesmo que ele se sentia...
Depois Neo aproveitou o
momento para dizer que o fato de a pele de Miro ser um pouco mais clara nunca
escondeu a realidade que ele mesmo estava admitindo.
(...)
O diálogo foi se tornando
ríspido... Miro disse que tinha consciência de sua identidade... Depois
aconselhou Neo a aproveitar a escuridão da madrugada para fugir, já que também
a população do litoral (à exceção dos covardes) se mobilizava em torno da
Revolução Constitucionalista.
Neo retirou-se
dizendo que tinha mesmo vontade de se apressar... Sentenciou que jamais se
entendera com o pai, mas chegara à conclusão de que ele tinha razão ao afirmar
que os negros sempre dão maus exemplos porque “quando não cagam na entrada...”
Miro
decidiu relevar, pois viu que o outro não merecia a menor consideração... Sem
lhe dar importância, começou a retirar os cacos de vidro do chão... Neo baixou
a cabeça, pediu desculpas e disse que merecia ser chamado de bêbado...
Não havia o que dizer
àquele tipo... Miro demonstrou isso e repetiu que se alistaria no batalhão dos
negros, onde ele sabia que tinha lugar... O olhar de Neo se encheu de ódio...
Foi com dificuldades que ele se retirou do quarto.
Depois de bater a porta, Miro concentrou-se na
leitura da carta sem entender “como uma pessoa tão doce” (como a madrinha
Berenice) podia “pertencer à mesma família do asqueroso major e de seu filho
covarde”.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto