Fogos de artifício e o animado som de uma banda davam início aos comícios da Legião Negra... Miro notou que o povo simples da cidade se encaminhava com muita disposição ao local onde o palco havia sido montado.
Pensava na discussão que tivera com Neo na madrugada anterior... O encontro havia sido muito desagradável, mas o seu compromisso de momento era o de encontrar-se com John. Como sabemos, ele pretendia traduzir os discursos que ocorressem no evento, e estava disposto a se alistar na Legião.
(...)
Mal se aproximou do aglomerado de pessoas e conseguiu
ouvir inflamados discursos nos quais “as palavras paulista, ditadura, raça
negra, constituição, hegemonia, homens e mulheres de cor, raça negra” se
repetiam. O objetivo da manifestação era o de conseguir alistamentos de
voluntários e doações... O doutor Joaquim Guaraná Santana e o orador Vicente
Ferreira estavam presentes.
(...)
Faustino destaca nova descrição a respeito de Vicente Ferreira... Dessa
vez a que foi feita pelo jornalista José Correia Leite alguns anos depois que o
movimento de 1932 terminou:
Um negro intransigente e amargo, um místico, um gênio,
um homem que não tem cultura acadêmica, mas não fica devendo nada a ninguém.
(...)
Outra presença marcante no palanque era a bela Dona Palmyra Calçada,
“madrinha da bandeira da Legião Negra”... Sua simpatia era cativante, e sem
dúvida contribuía para que a arrecadação de donativos em prol das famílias dos
combatentes fosse maior.
Aquela caravana não tinha descanso... Depois do comício em Santos ela
partiria para Campinas. O doutor Guaraná Santana estava convencido do acerto de
sua decisão ao romper com a Frente Negra Brasileira para trabalhar em prol do
engajamento dos negros na “causa constitucionalista”.
(...)
John estava animadíssimo, afinal jamais vira manifestação mais
empolgante... Ao avistá-lo, Miro o cumprimentou e passou a traduzir as várias
falas...
Quanto mais ouvia, mais o jamaicano se identificava com a Legião...
Também Miro estava impressionado... Ele gostou de se sentir pertencente a uma
comunidade que nada tem de deplorável.
(...)
Miro notou o comportamento
de um senhor alto e de cabelos esbranquiçados que estava próximo... A cada
frase dos oradores, o homem bradava palavras de ordem e aplaudia efusivamente.
Ele se encaminhou o mais rápido que pôde à mesa de alistamento... Além de se
inscrever, quis também alistar o filho que não estava presente. Isso gerou uma
discussão com a secretária, que deixou claro que o alistamento era voluntário e
que o moço precisaria comparecer para preencher a própria ficha de inscrição.
Miro não teve dúvida e, ao
notar o exemplo daquele senhor que já contava meio século, animou-se ainda mais
e também entrou na fila...
(...)
Ele recebeu uma senha
e ficou sabendo que devia se apresentar depois de três dias no Corpo de
Bombeiros da cidade... Ali receberia uniforme e equipamentos básicos. Depois
teria de seguir para a Chácara do Carvalho onde receberia armas, se integraria
a outros soldados e faria parte dos treinamentos físicos.
Também John quis se alistar... Mas a moça que preenchia as fichas ficou
confusa... Ela não falava inglês e nem esperava que um estrangeiro aparecesse
para se inscrever na Legião Negra... Em vão o jamaicano lhe dizia We all have same blood! Black blood! (“Todos
temos o mesmo sangue! Sangue negro!”).
Miro se aproximou para
prestar algum auxílio...
As coisas só começaram a se
resolver depois que a jovem recorreu ao senhor Vicente Ferreira.
(...)
Ferreira convocou uma reunião atrás do palanque... O
doutor Guaraná Santana e também o Delegado-Geral ouviram com atenção as
explicações dos dois rapazes. Miro disse que o jamaicano participava do
movimento de Marcus Garvey e que mantinha comunicação com o pessoal de Du Bois.
As três lideranças da Legião Negra passaram a tratar diretamente com
John... Miro se intrometeu dizendo que tinha a intenção de traduzir textos dos
movimentos de consciência negra que ocorriam na América do Norte e que a Legião
teria muito a ganhar com a publicação dos materiais.
O doutor Guaraná achou interessante a ideia e sugeriu
que depois da revolução poderia conseguir um emprego público ao jovem
Teodomiro... O próprio “Comando da Revolução” havia lhe garantido que “os
revolucionários negros seriam recompensados à altura”...
Santana ainda deu a entender que Miro poderia contribuir com os
periódicos que o pessoal da Frente Negra estava planejando, como o jornal A Voz da Raça.
(...)
Acontece que eles estavam ali para resolver o caso de John... O doutor
achava que para tudo havia um jeito... Ferreira lembrou que a legislação não
permitia o alistamento de estrangeiros.
De repente um ajudante falou que poderiam providenciar documentos
falsos, mas o Delegado-Geral advertiu que a língua permaneceria um problema sem
solução.
Miro teve a ideia de impor o “voto de silêncio” ao amigo...
Comportando-se como mudo de nascença, não provocaria desconfianças...
Foi assim que o jamaicano passou a se chamar
João Marcolino Ferreira, natural de Tambaú.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto