O batalhão comandado por Miro alcançou o Vale do Paraíba... Mas a empolgação de John Washington durou pouco...
Aconteceu que o “soldado mudo” foi flagrado cantando (uma música religiosa) enquanto se banhava em águas correntes da localidade de Lavrinhas, nas proximidades do município de Cruzeiro. Num primeiro momento, o tipo que estava de sentinela estranhou... Mas depois demonstrou firmeza ao denunciá-lo ao capitão Trujilo Marcondes Salgado.
Miro ainda tentou intervir e garantiu que o detido demonstrara bravura e merecia ser condecorado... Porém a infração cometida era crime que só podia ser julgado por corte marcial... É por isso que John foi encaminhado para Santos, onde aguardaria julgamento num presídio militar.
(...)
O jamaicano John Washington foi obrigado a deixar o
batalhão do amigo Miro... O seu vacilo (ao “soltar a voz” enquanto se banhava
no córrego em Lavrinhas) resultou em sua prisão...
Podemos imaginar o quanto ele ficou decepcionado, pois desejava
participar abnegadamente da luta dos irmãos negros... Era com sinceridade que
pretendia o intercâmbio e aprendizado com as lideranças frentenegrinas e da
Legião Negra, além de divulgar no Brasil as ideias dos movimentos dos quais
participava... Ele sonhava com uma realidade mais digna para toda a gente negra,
e entendia que só a luta organizada poderia promover as mudanças almejadas.
(...)
Fora de combate, Washington não experimentou do sufoco
imposto pelas tropas federais no Vale do Paraíba... A superioridade bélica dos
inimigos provocava desmedido desespero... O sofrimento dos que eram atingidos
por balaços e estilhaços arrasava o moral dos demais.
Faltava munição às tropas rebeldes... O improviso tornou-se alternativa
que os comandantes não podiam recusar. Foi assim que surgiu, por exemplo, a
ideia de distribuir matracas aos soldados... Manipuladas de modo ritmado, aquelas
engenhocas simulavam o som do disparo de metralhadoras...
A propósito dessa iniciativa, é bom que se diga que ela não demorou a
ser descoberta pelos federais que, após massacrar os inimigos, passaram a
agitar as inofensivas matracas só para humilhar os derrotados.
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Depois da ofensiva massacrante das tropas getulistas às margens do Rio
Paraíba do Sul, os sobreviventes do grupamento de Miro (em obediência às ordens
do capitão Trujilo) tiveram de se deslocar para Queluz.
Trujilo queria fazer crer que os bombardeios e rajadas que ouviam eram
ataques das rebeldes tropas amigas aos “macacos getulistas”...
A simplicidade de Tião não
o impedia de perceber que o homem dizia aquelas coisas porque “sabia o que os
comandados deviam saber”.
(...)
Miro tentou a todo custo
animar o seu pessoal, e ordenou que seguissem no rumo noroeste... Sua intenção
era a de instalar o que restou de seus homens em local seguro, onde pudessem
avistar a movimentação inimiga sem serem notados... Ele não tinha uma ordem
específica... Dizia que todos deviam procurar sobreviver a qualquer custo.
Porém tornou-se muito
difícil escapar da morte... O batalhão não sabia de onde partiam os ataques
surpresa de metralhadoras e canhões... De onde vinham tantas rajadas e bombas?
De vez em quando um ou outro de seus soldados partia para atitudes desvairadas
e atirava a esmo... Eventualmente, gritos vindos do lado inimigo indicavam que
alguém (quem?) havia sido atingido... Isso era motivo de comemoração.
(...)
A condição em que se
encontravam era de total banalização da vida... Tião pensava sobre isso e
procurava, em vez de tentar atingir inimigos, proteger a si mesmo e aos
companheiros.
Landão, o pai de Luvercy (que
passou a acompanhá-los mais de perto depois que o jamaicano deixou o grupo),
notou o comportamento de Tião e comentou que podia entender por que sua munição
durava mais do que a dos outros.
Tião respondia que não tinha nada contra
ninguém, nem mesmo contra aquelas tropas que atiravam contra eles... Seu
Orlando via que a atitude do rapaz era a mesma de seu filho, e não podia
entender aquele comportamento.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto